A explosão da violência na região amazônica do Peru nas últimas semanas, motivada pelo embate entre governo e comunidades indígenas sobre decretos de lei polêmicos, não resultou somente em mortes e desordem. Pela primeira vez na história peruana, de acordo com especialistas entrevistados pelo Opera Mundi, setores políticos e sociais – antes despreocupados com a Amazônia e com os povos que lá vivem – se levantaram contra as ações governamentais e mostraram apoio aos índios.
Grêmios de profissionais, acadêmicos, parlamentares, jornalistas, estudantes e organizações de 13 cidades do país têm se manifestado em conjunto nas ruas e também por meio da mídia pela paz na selva e pela derrubada dos decretos que ameaçavam o território de 1.509 comunidades indígenas na Amazônia, de 42 etnias, onde vivem cerca de 350 mil habitantes, 9% da população peruana.
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De acordo com o sociólogo Sinésio López, professor da Universidade de San Marcos, uma das explicações para a adesão desses setores à causa indígena é a insatisfação com o governo – o presidente Alan García tem cerca de 30% de aprovação popular. Outra é o “crescimento da importância do movimento indígena, que faz demandas desde 2008 contra as leis que ameaçavam o território dos índios”.
A solidariedade com os grupos da selva se origina, segundo López, em uma maior conexão dessa região com o resto do país. “Há cerca de 30 anos o Peru estava ‘de costas’ para a Amazônia e a população local se sentia excluída do país”, explica.
“Temos tomado consciência das demandas da região amazônica; a população intuiu que nas reclamações há algo justo”, afirma o sociólogo. “Os movimentos sociais têm se expressado no país todo em solidariedade, isso é relativamente novo”.
Para Martín Tanaka, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Peruanos (IEP), “é bom que a Amazônia e os índios amazônicos façam parte do imaginário do país. É o único bem de tudo o que tem acontecido”.
Segundo o sociólogo, as agitações atuais podem se converter nos primeiros passos de mudança mais amplas, como ocorreu com a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) – organização social criada em 1986 para lutar contra todas as formas de exploração e violência das quais são vítimas os indígenas.
Segundo Jorge Yamamoto, psicólogo social, antropólogo e pesquisador das culturas andina e amazônica no Peru, há uma “compreensão da importância da interculturalidade pelo governo, mas a dificuldade é evidente quando intervenções em busca de desenvolvimento são empreendidas”, como se viu na criação dos polêmicos decretos de lei que buscariam, segundo o governo, o desenvolvimento da produção de hidrocarbonetos.
“Essa é a armadilha: no discurso, todos aceitam a interculturalidade e o respeito aos povos, mas quando se vêem frente a seus próprios valores, entra em funcionamento um mecanismo que vê com desprezo o diferente e tenta evangelizar o outro. Para o diálogo (entre governo e indígenas) é necessária a participação de interlocutores com capacidade de se desgarrar dos próprios valores e que estendam pontes”, diz Yamamoto.
Governo e empresariado
O primeiro-ministro peruano, Yehude Simon, disse ontem (16) que com a presença de seis mil manifestantes nas estradas, não há outra saída se não aceitar a derrogatória dos decretos. Ele afirmou, porém, que a decisão não enfraquece ao governo de Alan García.
Na radio RPP, Simon declarou que os cidadãos “não dirão que o governo retrocedeu, mas que agora há paz”.
“Aqueles que têm instigado a violência e acham que ganharam – como Ollanta Humala, (candidato derrotado nas últimas eleições) – não estão com a razão. Houve uma campanha de desinformação sobre as leis, não imaginamos que tinham envenenado tanto a mente dos índios”.
Simon disse que “o boicote de alguns oportunistas que querem se somar à luta dos índios para golpear a democracia e derrubar o presidente é absurdo em um país onde o presidente foi eleito democraticamente”.
Para o sociólogo Sinésio López, os episódios de violência na selva culminarão em mais derrotas do governo de Alan García. “O governo se submeteu a acordos com os indígenas, o que era impensável. García não tem mais a mesma força política de antes para impor o que quiser. Sua figura está se tornando deslegitimizada”.
O setor empresarial vem se posicionando contra os protestos dos índios. Julio Favre, ex-presidente do principal grêmio empresarial – o Confiep –, afirmou ao Canal N que os movimentos indígenas têm sido “vilmente” enganados. “São levados por que é dito por aqueles que não acreditam na democracia”.
No governo e no setor empresarial é forte a tese de que o grupo político de Ollanta Humala foi um dos agitadores dos bloqueios e manifestações contra as polêmicas leis.
O ministro das Relações Exteriores, José Antonio Garcia Belaunde, foi além do plano nacional e declarou que o presidente de Bolívia, Evo Morales, é um inimigo do país, pois não só tem sido solidário com os índios peruanos como também “incitou a violência”.
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