Apesar de ter sido repetido por várias rádios e canais de televisão, os eleitores da Concertação, a coalizão de centro-esquerda que governa o Chile desde 1990, não queriam acreditar até a declaração oficial do ministério do Interior: o direitista Sebastián Piñera será o novo presidente do país.
Com 6,9 milhões de votos válidos apurados, o candidato da Coalizão Pela Mudança liderava com 51,61% dos votos, enquanto Frei aparecia com 48,382%, segundo o subsecretário do Interior chileno, Patricio Rosende.
“Quero parabenizar Sebastián Piñera. A maioria dos chilenos deu a ele confiança para que conduza os destinos do país pelos próximos quatro anos, e desejo sucesso em sua gestão”, declarou Eduardo Frei, reconhecendo a derrota.
EFE/Claudio Reyes
Com a vitória de Piñera, a direita chilena volta ao Palácio de La Moneda pela via democrática, 52 anos depois da vitória de Jorge Alessandri em 1958. É também o primeiro conservador a se eleger desde o retorno do Chile à democracia, em 1990, após 17 anos do regime militar comandado por Augusto Pinochet (1973-1990).
Questão simbólica
“Para todos nós, que trabalhamos sobre os direitos humanos, não é um dia de alegria”, conta José Bengoa, professor na Universidade Academia de Humanismo Cristão de Santiago, em entrevista ao Opera Mundi por telefone.
Ele conta que com, o anúncio do resultado, “estão aparecendo na televisão várias figuras que tinham um papel muito importante durante a ditadura de Pinochet. A gente esperava que não fossem voltar nunca”, explica.
Para o professor, “a questão simbólica é a mais importante”, já que ele descarta qualquer mudança relevante na política econômica do país. “Piñera vai assumir o poder com um preço do cobre muito alto, o caixa do Estado cheio, não tem nenhuma razão para acabar com as políticas sociais, que são bem consolidadas no país”, disse Bengoa.
“A metade do Chile, que votou no candidato da Concertação, inicia hoje um Dacar de quatro anos”, diz o analista Tomas Mosciatti, em referência ao rali que acontece atualmente na Argentina e no Chile. “Eles devem meditar sobre as razões da derrota nos próximos dias”, acrescenta.
EFE/Claudio Reyes
Os analistas apontam o mal-estar no eleitorado chileno. Durante os últimos 20 anos, a Concertação conseguiu diminuir o nível de pobreza e consolidar a volta à democracia. No ano passado, o governo soube lidar com a crise econômica e financeira, multiplicando os subsídios às empresas para evitar uma explosão do desemprego, e criando novos programas sociais.
Transferência de popularidade
No entanto, os resultados mostram que a presidente Michelle Bachelet não conseguiu transferir sua grande aprovação popular (mais de 80%) para o candidato de sua coalizão.
Segundo os especialistas, uma grande parte dos eleitores rejeita a Concertação, considerando que era responsável pelo congelamento do sistema político. A coalizão deu um poder excessivo às cúpulas dos partidos e afastou lideranças independentes emergentes.
Foi este processo que provocou as candidaturas dissidentes do jovem deputado socialista Marco Enriquez Ominami e do também socialista Jorge Arrate, que abandonou sua legenda para representar o partido comunista. Ambos conseguiram atrair, respectivamente, 20% e 6% dos votos.
“A Concertação paga hoje por seus erros, começando pela persistência de um sistema político e eleitoral desenhado por Pinochet”, analisa Bengoa. Segundo ele, um dos principais problemas é a falta de inscrição automática dos jovens no registro eleitoral. “Isso faz com que 3 milhões de jovens não tenham votado nessa eleição, por falta de interesse. Mas, no segundo turno, muitos deles teriam tentado impedir a volta da direita, se tivessem a possibilidade”, explica.
Situação paradoxal
Ele compara a situação à França de 2002, quando no segundo turno os jovens votaram de maneira maciça no presidente Jacques Chirac para evitar a eleição do ultra-direitista Jean-Marie Le Pen.
“Por causa disso, e da falta de abertura da Concertação, que não soube receber críticas durante os 20 anos no poder, estamos numa situação paradoxal: a maioria do país é de esquerda, mas temos um presidente de direita”, lembrando que, no primeiro turno, os votos de centro-esquerda, – somando os eleitores de Frei, Ominami e Arrate – chegaram a 56% do eleitorado, o que contradiz a teoria de uma tendência direitista da população chilena.
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