Um canal de comunicação feito por coletivos de esquerda da fronteira entre Brasil e Uruguai que pretende debater temas caros para ambos os países. Foi com essa proposta que nasceu a página Aqui e Allá, iniciativa de militantes brasileiros e uruguaios, moradores de Santana do Livramento (Rio Grande do Sul) e Rivera, cidades vizinhas que são separadas pelos limites territoriais de cada nação.
Com vídeos semanais no Facebook, a página completa um ano de existência neste mês de junho de 2020 e pretende avançar mais no terreno da comunicação alternativa, sempre mantendo um viés progressista e de cooperação entre uruguaios e brasileiros.
“Estamos avançando, estamos crescendo. Claro, temos algumas dificuldades, pouca gente para operar as tecnologias, para mediar os debates, mas estamos avançando, contra o vento e contra a maré”, diz Horacio Dávila, um dos membros do conselho editorial do Aqui e Allá.
O uruguaio que vive do lado brasileiro da fronteira e já foi presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) de Santana do Livramento afirma que um embrião da iniciativa foi um comitê de campanha de Fernando Haddad, nas eleições presidenciais do Brasil em 2018.
“O Aqui e Allá nasce de pessoas que participavam de um comitê eleitoral que se chamava Verdade e Democracia. No final da campanha do Haddad, uma parte do partido passa a contar com apoio de diversos setores de movimentos populares de esquerda, como sindicatos, estudantes e militantes de diversas causas. Depois da eleição, nos unimos e surgiu a ideia de fazer esses programas pelo Facebook”, conta.
Mujica
Lembrando com orgulho da entrevista que fizeram com Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, após as eleições presidenciais uruguaias em novembro de 2019, Dávila afirma que o projeto busca sempre contar com a participação de convidados dos dois países para discutir temas sociais variados.
“Tratamos de vários temas, desde saúde, moradia, privatizações, feminismo, até carnaval e futebol, sempre com viés de esquerda. Vamos trazendo nossa gente, professores, acadêmicos. Aqui na fronteira é assim, debatemos nas duas línguas”, afirma.
A partir da fronteira também nasceu o nome do projeto. É o que explica Eliézer dos Santos, professor do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSUL) e um dos editores da página. Aqui, em português, e Allá, que significa Lá em espanhol, simbolizam os dois lados da divisa e ainda faz menção ao portunhol, muito comum em regiões fronteiriças do Brasil.
A conformação política da população regional é outro fator que influencia na importância que a página adquiriu ao público progressista local. Segundo Eliézer, a “zona sul-brasileira e norte-uruguaia é marcada pela cultura conservadora, machista, elitista, LGBTfóbica, militarizada, latifundiária, atrasada, onde os diversos grupos de esquerda são a minoria que bravamente resiste”.
“Havia a necessidade de a esquerda ter um espaço onde pudesse debater suas ideias, defender suas causas, divulgar seus eventos, realizar suas denúncias, tratar com profundidade das questões silenciadas pela grande mídia”, afirma.
O ex-deputado uruguaio pela coalizão de esquerda Frente Ampla Rubenson Silva é outra figura política importante na fronteira que se engajou no Aqui e Allá desde o início. Ao falar sobre a organização do grupo de editores, o frenteamplista garante não há hierarquia, “quem pode faz o que pode e o que sabe fazer”. “Vamos aprendendo muito com o tempo”, diz.
Pandemia: mais temas, mais vídeos
Com o início da pandemia do novo coronavírus e o crescimento vertiginoso de casos e mortes por covid-19 no Brasil, a região de Rivera e Santana do Livramento ocupou as manchetes por diversas vezes. O governo da região uruguaia já impôs restrições à circulação de pessoas pela divisa e determinou um toque de recolher para evitar que casos sejam “importados” do Brasil.
Luiza Damboriarena, outra editora da página, manifesta a preocupação da comunidade local com a pandemia, mas afirma que o isolamento e a prática da quarentena deu mais tempo para que os idealizadores do Aqui e Allá pudessem aumentar a periodicidade dos vídeos e ampliar os temas das discussões.
“Agora, com a pandemia, pensamos: ‘por quê não fazer mais lives? Estamos todos em casa. Isso deu mais autonomia pra fazer mais vídeos por semana. Também abrimos para convidados que não necessariamente são da fronteira. Recebemos o ex-governador Tarso Genro, o economista e membro da direção nacional do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] João Pedro Stédile, a filósofa Marcia Tiburi. Queremos avançar”, afirma.
Wikicommons
Aqui e Allá pretende dar voz à esquerda da fronteira e avançar no terreno da comunicação alternativa