Sábado, 12 de julho de 2025
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A Colômbia completou na última segunda-feira (15/11) os primeiros 100 dias do governo de Juan Manuel Santos, que também significam 100 dias sem o ex-presidente Álvaro Uribe, que governou por oito anos, no comando da política nacional. Só neste período, desde o dia 7 de agosto, já estouraram nove escândalos envolvendo direta ou indiretamente funcionários da administração anterior. Um dos mais graves veio à tona na DNE (Diretoria Nacional de Entorpecentes), órgão que administra os 76 mil bens confiscados dos traficantes de drogas desde os anos 1980.

“A Diretoria Nacional de Entorpecentes é o parque de diversões da máfia!”. A constatação foi dita por Juan Carlos Restrepo, nomeado por Santos como o novo chefe do órgão. Depois de assumir o cargo, Restrepo encaminhou denúncias ao ministério público colombiano e fez as autoridades intervirem na DNE. Ele comprovou pessoalmente que quase todo o pessoal interno e externo do órgão tinha privilégios no sistema eletrônico de gerenciamento dos bens, suficientes não só para consultar as propriedades, como também modificá-las ou até mesmo apagá-las do sistema.

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Como resultado, durante os dois mandatos de Uribe desapareceram da base de dados da DNE propriedades inteiras, como a enorme fazenda de 33 mil hectares confiscada do cartel do Norte do Vale, enquanto outras, como a mansão Montecasino, de 30 mil metros quadrados, do chefe paramilitar Carlos Castaño, são administradas por “laranjas” da mesma família.

Já o ministro da Agricultura, Juan Camilo Restrepo, assim que tomou posse, analisou os documentos do Instituto Colombiano de Desenvolvimento Rural (Incoder, análogo ao INCRA brasileiro), afirmou: “Pessoas muito próximas do paramilitarismo se infiltraram no Incoder e, depois de afastar os donos, entregaram estas parcelas a outros que não passam de testas-de-ferro dos delinquentes que aterrorizaram e expulsaram os camponeses”. O ministro prometeu reverter algumas dessas decisões por “exceção de inconstitucionalidade” e devolver 300 mil hectares aos proprietários.

Um terceiro escândalo atingiu o Fondolibertad, órgão que administra cerca de 13 milhões de dólares para combater sequestros. Sob o governo Uribe, foram assinados contratos que beneficiaram diretamente uma série de funcionários de alto escalão e suas famílias, como a do general Freddy Padilla, ex-comandante das forças armadas.

Menos achaque

Escândalos parecidos envolvem outros órgãos públicos, como a Diretoria de Impostos e Alfândegas Nacionais (Dian, equivalente colombiano à Receita Federal), o Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário (Inpec), a Ingeominas, que cuida das concessões de mineração, o Instituto Nacional de Concessões (Inco) e o Banco Agrário. Em todos esses casos, atos de corrupção favoreceram membros do governo Uribe ou seus amigos.

Segundo o ex-ministro Camilo González Posso, hoje diretor do think tank Indepaz, o motivo da descoberta de tantos casos há muito tempo escondidos é que “está sendo reafirmada uma autonomia relativa do ramo judicial, pois foram diminuídos o poder de intimidação do próprio presidente e do poder executivo e a capacidade de funcionários de alto escalão de frear e obstruir as investigações”. Mas o analista não acredita que haja uma intenção do novo governo de acuar o ex-presidente Uribe.

No entanto, o escândalo que mais preocupa o presidente é o dos grampos ilegais do DAS e da vigilância de opositores políticos. O DAS é a polícia federal colombiana, órgão de inteligência civil subordinado à presidência da República. No momento, 52 funcionários são investigados, 18 estão presos e seis de alto escalão confessaram “ter recebido ordens da diretoria do DAS e da presidência para vigiar ilegalmente e participar de campanhas de difamação” contra integrantes da Suprema Corte de Justiça, políticos de oposição e jornalistas. Por isso, aceitaram a sentença antecipada e já foram condenados.

O escândalo do DAS já envolve alguns dos colaboradores mais próximos do ex-presidente, como Bernardo Moreno, ex-secretário-geral da presidência, destituído pela Procuradoria, e três ex-diretores do DAS. Mas Posso considera improvável que o próprio Uribe seja condenado na Colômbia por esses escândalos.

“É muito difícil um congresso e uma comissão formados por governistas condenarem o ex-presidente Uribe”, afirma. “Além disso, não existem situações nas quais presidentes da República tenham sido punidos por escândalos. Por exemplo, a comissão de acusação não condenou o presidente [Ernesto] Samper pelo escândalo do processo 8000, que envolvia sua campanha com o cartel de Cali”.

Fora do país

Ele não descarta, porém, que outros processos relacionados a esses escândalos avancem no exterior. “Acredito que, pelo menos nos próximos dois anos, serão constantes as sanções por todos esses escândalos, pois os abusos foram inúmeros e muito graves”.

Na Espanha, foi formalizada uma denúncia contra Uribe justamente nos assuntos relacionados ao DAS. Muitas das vítimas encontraram provas nos expedientes do ministério público de que foram seguidos ilegalmente em território espanhol. E há pelo menos um caso que envolve uma cidadã espanhola. Por isso, foi possível acusar Uribe não por um crime internacional, mas por um crime cometido em território espanhol.

Esta é apenas uma das denúncias apresentadas em tribunais internacionais contra o ex-presidente colombiano. Luis Guillermo Pérez, diretor da Federação Internacional de Direitos Humanos, instaurou outro processo contra Uribe nos tribunais de Bruxelas, por causa do monitoramento praticado pelo DAS contra membros da própria federação, com fins de difamação, como provariam documentos em seu poder.

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Outra intimação foi entregue ao ex-presidente durante os protestos na Universidade de Georgetown, onde ele desempenhava a função de professor convidado. Ele foi convocado para depor pelo escritório de advocacia Conrad & Scherer, que representa uma centena de famílias de vítimas dos paramilitares em um processo contra a mineradora multinacional Drummond.

Prestígio, não poder

Apesar de todas as denúncias, a popularidade do ex-presidente não parece diminuir entre os colombianos.

“Uribe continua com uma imagem favorável mas, ao mesmo tempo, cada vez menos cidadãos querem que ele volte a governar. Isso porque ocorre uma deterioração constante de sua imagem. As pessoas estão se tornando 'santistas' muito rapidamente”, explica o diretor do Indepaz.

Já González Posso acredita que, hoje, é justamente nos círculos de poder que Uribe é mais rejeitado.

“Esta é a novidade! Os poderosos deste país acham que ele já cumpriu seu papel, fez o trabalho sujo e já não serve mais. O mesmo ocorreu com a única ditadura da Colômbia, a de Rojas Pinilla. Resta muito prestígio para Uribe, mas pouco poder – um poder marginal que repousa principalmente nos setores rurais latifundiários”, analisa.

O ex-presidente tem usado um meio não convencional para sua defesa e a de seus funcionários: transformou-se num fã do Twitter, pelo qual ataca os jornalistas, justifica os escândalos e se vangloria dos sucessos de seu governo e seus ministros.

“Ex-ministro Arias desmente The Economist. Nega benefícios a floricultores em troca de apoios à campanha”, “Nossa honesta luta contra o terrorismo, por liberdade e bem-estar, não será detida pela calúnia”, “A infâmia não conseguirá desvirtuar a honradez de Andrés Peñate”, “Martha Leal: Nunca recebi ordens nem instruções de parte do presidente Álvaro Uribe nem de nenhum dos funcionários do Palácio de Nariño”… São, até esta tarde de domingo (21/11), 2.295 tweets e 214 mil seguidores; mas ele, por sua vez, segue apenas 24.

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Colômbia faz 100 dias sem Uribe descobrindo um escândalo após outro

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