Quarta-feira, 26 de março de 2025
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A Câmara dos Deputados do Chile rejeitou nesta terça-feira (11/03) uma moção de censura contra a presidente da casa, a deputada Karol Cariola, do Partido Comunista, motivada por uma investigação do Ministério Público chileno à qual ela responde, por um suposto caso de tráfico de influência.

A investigação em si é alvo de polêmica, já que a diligência de busca e apreensão na casa da parlamentar ocorreu no dia 3 de março, no exato momento em que Cariola estava no hospital em trabalho de parto.

Nesta terça, devido ao dato de que ela era o alvo da votação em pauta, Cariola foi obrigada a interromper sua licença-maternidade e comparecer ao edifício da Câmara com seu filho em braços. O bebê tem apenas oito dias de vida e sua presença levou os parlamentares do Partido Comunista e de outros setores da bancada governista a organizarem um esquema de segurança para proteger mãe e filho.

A moção foi apresentada pela deputada Sara Concha, do conservador Partido Social Cristão, e terminou sendo rechaçada com 72 votos contra, 51 a favor e uma abstenção.

Após a moção ser arquivada, a própria deputada Cariola deu uma declaração, acompanhada de outros parlamentares da base governista, na qual disse lamentar o fato de “ter sido obrigada a interromper minha licença-maternidade para vir aqui me defender de uma situação injusta”.

Em seguida, ela contou que “foi muito difícil para mim aceitar que tanto meu filho Borja quanto eu fomos vítimas de uma grave violação de nossos direitos, já que poucas horas depois de eu dar à luz, órgãos públicos do Estado chileno decidiram invadir nossa casa, nosso espaço privado, colocando em risco nossa integridade física e psicológica. Não satisfeitos com isso, meu parceiro e minha família receberam ameaças de até mesmo entrar na minha sala de parto no hospital onde eu estava”.

“Isso foi completamente inapropriado, tanto por parte da pessoa que deu a ordem, da pessoa que a executou de forma completamente desnecessária, sem contar a atuação de um tribunal que, para tornar essa ordem possível, passou por cima da autoridade de outro tribunal”, comentou a presidente da Câmara.

Por sua parte, a deputada conservadora Sara Concha, autora da moção, alegou que “estamos lidando com uma investigação envolvendo um membro do parlamento que também preside esta casa, e que precisa respeitar o arcabouço institucional”.

Após o rechaço à sua iniciativa, ela disse lamentar que alguns parlamentares de direita teriam “caído no jogo de vitimização”, termo que ela usou para descrever os argumentos com que Cariola se defendeu no plenário.

O caso contra Cariola

O mandado de busca e apreensão foi solicitado em virtude do vazamento de conversas por whatsapp entre Cariola e a ex-prefeita de Santiago, Irací Hassler (2020-2024), nas quais as duas militantes comunistas efetivamente conversam a possível compra da Clínica Sierra Bella por parte da Prefeitura da capital chilena.

Nos diálogos, a deputada Cariola apresenta a Hassler uma proposta para que, no caso de a clínica ser adquirida pela Prefeitura de Santiago, esta pudesse contar com um departamento dedicado especialmente para mulheres de baixa renda.

O sociólogo Alexis Cortés, acadêmico da Universidade Alberto Hurtado e militante do Partido Comunista, afirma que “este processo foi iniciado já há alguns meses, mas antes o objetivo era atingir Irací Hassler, e agora querem atacar Cariola, que poderia ser uma forte candidata ao Senado nas eleições deste ano”.

“Aquela investigação nunca comprovou suas acusações e terminou com a Controladoria apresentando informe dizendo que não havia irregularidades na gestão de Hassler, mas o objetivo foi alcançado: mancharam a imagem da prefeita e impediram sua reeleição, no pleito realizado no ano passado. Agora, vão utilizar o mesmo caso para as eleições deste ano, visando Cariola”, avalia Cortés, que foi o representante do Partido Comunista na Comissão de Especialistas montada durante o segundo processo constituinte vivido pelo Chile, em 2023.

Câmera dos Deputados do Chile
Deputada Karol Cariola interrompeu seu pós-natal para se defender de moção de censura no Congresso

Para Tania Concha, integrante do Comitê Central do Partido Comunista, “este caso, além de configurar mais uma situação de lawfare na política chilena, também é o caso mais visível que nós temos nos últimos anos de violência política contra uma mulher”.

“A versão do Ministério Público de que não era possível fazer uma diligência por busca e apreensão enquanto a deputada estava em trabalho de parto é algo muito difícil de acreditar”, acrescenta Concha, em conversa com Opera Mundi.

Comparação com o caso de Daniel Jadue

A dirigente comunista Tania Concha também destacou que “esse tipo de ação aconteça sempre com o Partido Comunista em períodos muito próximos às campanhas eleitorais”.

“São episódios que sempre envolvem figuras importantes do nosso partido, como aconteceu antes com o companheiro Daniel Jadue, que foi pré-candidato presidencial em 2021”, comentou a líder política, em entrevista a Opera Mundi.

O episódio mencionado por Concha ocorreu em junho de 2024, quando a Justiça do Chile determinou a prisão preventiva de Daniel Jadue, ex-candidato presidencial e uma das principais lideranças do Partido Comunista chileno, no âmbito da investigação do chamado “Caso das Farmácias Populares”.

Na ocasião, Jadue era prefeito do município de Recoleta e foi acusado de suborno, administração desleal e fraude contábil durante sua gestão na pandemia, quando esteve à frente da Associação Chilena de Municípios com Farmácias Populares (Achifarp) e promoveu uma iniciativa inovadora que consistia no oferecimento de medicamentos de baixo custo em redes comerciais.

Porém, a juíza Paulina Moya, que emitiu a ordem de prisão solicitada pelo Ministério Público, avaliou que a liberdade de Jadue seria “perigosa para a segurança da sociedade”. A defesa do prefeito afirma que se tratou de um caso de lawfare.

As Farmácias Populares são um projeto idealizado por Jadue no qual a prefeitura de Recoleta (comuna da Região Metropolitana de Santiago) compra os medicamentos diretamente com os laboratórios e revende a preço de custo. Apenas quem é morador de Recoleta pode comprar os produtos, que são oferecidos a preços que chegam a ser até 70% mais baratos que os das farmácias convencionais

O sucesso dessa política, que foi replicada em diversos municípios do Chile, transformou Jadue em figura política de grande reconhecimento no cenário nacional. Segundo os advogados do líder comunista, o processo teria sido montado não apenas para tirar Jadue da disputa eleitoral no país como também para criminalizar a política pública das Farmácias Populares.

Em setembro de 2024, a Justiça concedeu a Jadue o benefício da prisão domiciliar preventiva, o que significa que ele não pode sair de casa, apesar de não haver uma sentença definitiva relacionada ao seu caso.

Consultado por Opera Mundi, o sociólogo Alexis Cortés afirma que “o caso de Cariola, como foram antes dos de Jadue e Hassler, mostram que essas ações buscam afetar o coletivo (o Partido Comunista)”.

“Historicamente, o Partido Comunista do Chile tem sido reconhecido por estar afastado de práticas de corrupção. Inclusive, é famoso no país um ditado que afirma que ‘os comunistas às vezes metem a pata (termo chileno que significa ‘fazer burrada’), mas nunca metem as mãos’. Estão tentando mudar essa percepção”, afirma o acadêmico.