Conheça como é a vida no Tibete, região que está no foco da campanha dos EUA contra China
Brasil de Fato visitou a Região Autônoma de Xizang, um dos pontos centrais da disputa entre Washington e Pequim
Conhecida como Tibete no Ocidente, a Região Autônoma de Xizang, na China, é um dos elementos centrais da relação geopolítica envolvendo Pequim e os Estados Unidos. Isso porque Washington e entidades norte-americana colocam foco no território para acusarem o governo chinês de violações de direitos humanos e restrições à liberdade religiosa.
O assunto deve ganhar ainda mais destaque agora que o Partido Democrata definiu o governador de Minnesota, Tim Walz, como candidato a vice na chapa de Kamala Harris. O escolhido, que foi congressista durante seis mandatos desde 2006, integrou a Comissão Executiva do Congresso sobre a China, um órgão que se propõe a monitorar a situação dos direitos humanos no país asiático.
O governo chinês, por sua vez, tem expressado reiteradamente forte insatisfação e oposição aos relatórios divulgados por essa comissão. Em 2017, por exemplo, quando a comissão (à época presidida pelo senador de extrema direita Marco Rubio) fez uma audiência nos marcos dos 20 anos da devolução de Hong Kong à China, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês afirmou que a entidade “é sempre tendenciosa contra a China”, “distorce fatos” e é “movida por segundas intenções’.
Pequim chegou a aplicar medidas restritivas contra o congressista democrata Jim McGovern, que não apenas integra essa comissão, como é aliado muito próximo do agora candidato a vice de Kamala Harris. Sob acusação de ações de intromissão em assuntos internos da China, McGovern e seus familiares foram proibidos de fazer negócios, cooperar ou viajar à China.
Além das comissões sobre a China no Congresso dos EUA, a Human Rights Watch é outra entidade norte-americana que avalia como negativas as políticas implementadas na Região Autônoma de Xizang. Em diferentes relatórios, a organização afirma que teriam sido cometidos realojamentos forçados de pessoas e que a língua e a cultura tibetanas seriam reprimidas.
A Human Rights Watch também faz acusações sobre restrições à liberdade religiosa no Tibete. O budismo é uma das principais religiões praticadas na China, junto ao taoísmo, islamismo, catolicismo e protestantismo. Em Xizang, mais de 90% da população é adepta ao budismo Tibetano.
Em 2022, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, rebateu as acusações e afirmou que a Human Rights Watch é uma “suposta organização de direitos humanos, cheia de preconceitos” e que “sua fábrica de mentiras e rumores não têm mercado”.
O que dizem os moradores do Tibete
A reportagem do Brasil de Fato viajou a Xizang e conversou com camponeses, professores e monges de diferentes cidades dessa Região Autônoma.
Deji Yangzong, que faz parte do governo da Região Autônoma de Xizang, fala sobre “duas ações significativas que o Partido Comunista da China tomou” na história recente. “Politicamente, ele libertou milhões de servos, concedendo-lhes liberdade. Economicamente, até 2019, todos os 74 condados empobrecidos no Tibete [Xizang] foram retirados da pobreza absoluta”.
A primeira menção de Yangzong é à libertação pacífica de Xizang, que completou em maio 73 anos. Naquela época, aristocratas, funcionários locais e lamas do alto escalão nos monastérios integravam o grupo de cerca de 5% da população tibetana que possuía quase toda a riqueza da região. Os outros 95% eram servos feudais e pessoas escravizadas. A chamada reforma democrática em Xizang pôs fim a esse sistema em 1959.
A menção à conquista econômica se refere à campanha de erradicação da extrema pobreza que concluiu em 2020 na China. No caso de Xizang, a região com menor população da China (3.6 milhões de pessoas), até 2019, 628 mil pessoas retiradas da extrema pobreza nesses 74 condados mencionados por Yangzong.

Apresentação de alunos da Escola Primária nº 2 de Linzhi com cítaras Liuxiana e Zhaniana
Em 2023, o PIB da Região Autônoma de Xizang aumentou 9,5% em relação ao ano anterior, chegando a quase 240 bilhões de yuans, mais de R$ 185 bilhões. Uma parte das políticas nesse sentido teve a ver com o realojamento de famílias de lugares montanhosos de difícil acesso e sem infraestrutura e/ou serviços básicos.
O camponês Ciwang Pingcuo morava em um pequeno povoado no condado de Medog, em Linzhi. Ele conta que sua família e vizinhos tinham que caminhar de 5 a 6 dias para ir do povoado até a cidade do condado. “Às vezes, quando íamos ao Condado de Bome para comprar coisas, tínhamos que carregar tudo, fosse grande ou pequeno, nas costas”, conta Pingcuo.
O meio de transporte mais comum para atravessar o rio Yarlung Zangbo, continua Pingcuo, era a corda de ferro. “Então, era obviamente difícil mandar as crianças para a escola e os idosos ao médico. É justo dizer que nossa qualidade de vida era baixa. Com a ajuda do país e do governo, nos mudamos para nossa casa atual em 2003”.
Cultura e religião no Tibete
Segundo professores locais ouvidos pelo Brasil de Fato, a Região Autônoma de Xizang tem um sistema de ensino bilíngue em mandarim e tibetano. O professor da Escola Primária nº 2 de Linzhi, Wangdui conta que cada professor incorpora a tradição em suas aulas.
“Seja sobre transmitir a tradição ou aprendê-la, nosso objetivo é passar esse conteúdo aos nossos alunos para que eles possam preservá-lo melhor no futuro”, disse.
Na mesma escola, o professor Longduo ensina tibetano há 24 anos. Ele afirma que, além da língua, é priorizado cada vez mais o ensino da caligrafia tibetana. Além de comparar a dificuldade do acesso ao ensino em sua época de criança, ele conta que havia falta de tinta e papel, e o treino da caligrafia tibetana tinha que ser feito em madeira. “Mas agora os alunos têm papel e tinta de boa qualidade. Eles têm muita sorte”, afirmou.
Embora seja laico, o Estado implementou políticas de apoio aos monastérios e monges por conta do valor cultural e histórico do budismo tibetano, que é a segunda maior vertente da religião no país. “O Estado cuida de nossos monges em vários aspectos, como assistência médica e previdência social”, explicou Dunzhu, que é guia do Changzhu, o primeiro templo budista a ser construído em Xizang, ainda no século XVII.
“Por exemplo, todos os templos em Xizang oferecem um check-up médico anual gratuito para os monges. Em uma escala mais ampla, o governo nacional garante apoio para as instalações de acomodação e infraestrutura do templo, que são excepcionalmente bem conservadas”, contou.
“A principal fonte de renda do nosso templo vem de nossa pequena casa de chá e da venda de itens como lamparinas de manteiga, cevada e khatas, todos feitos pelo próprio templo”.
O aumento do turismo no últimos anos em Xizang é um dos fatores do crescimento econômico da região. De 2012 a 2023, o número de turistas passou de 10,58 milhões para 55,17 milhões de turistas nacionais e internacionais em 2023. A receita desse setor no ano passado foi de 65,1 bilhões de yuans (R$ 50 bilhões).
O Templo Jokhang, construído há mais de 1300 anos e situado na capital, Lhasa, faz parte do Patrimônio Cultural Mundial da UNESCO desde o ano de 2000, e está sob proteção do Estado. Em datas especiais para o budismo tibetano o templo chega a receber quase 80 mil pessoas por dia.
