Um dos maiores símbolos do distanciamento entre Estados Unidos e a América do Sul foi o anúncio por Washington, em abril 2008, da reativação da Quarta Frota norte-americana. Este braço das forças navais do país foi criado em 1943 diante da ameaça nazista, e desativada em 1950. A sua volta às águas da América do Sul e do Caribe foi interpretada como uma ameaça pela maioria dos países da região.
A medida foi criticada por líderes latino-americanos como o cubano Fidel Castro e o presidente da Bolívia, Evo Morales, mas também pelo presidente brasileiro Lula, preocupado com o aparente interesse pelo petróleo descoberto recentemente. “Nós agora descobrimos petróleo em toda a costa marítima brasileira, a 300 quilômetros do continente, e nós, obviamente, queremos que os Estados Unidos nos expliquem qual é a lógica desta Quarta Frota”, afirmou Lula numa entrevista em julho passado.
Alguns meses depois, os representantes de 12 países da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) responderam com a criação de um Conselho de Defesa Sul-Americano, excluindo explicitamente a presença de observadores norte-americanos. A primeira reunião foi celebrada no dia 10 de março em Santiago do Chile. Para Tomas Ayuso, especialista em questões de integração regional no instituto Conselho para Assuntos do Hemisfério (COHA, na sigla em inglês), de Washington, a nova estrutura pode ser uma boa ferramenta de unificação na região, mas ainda não tem capacidade para responder militarmente ao vizinho do norte.
O senhor considera que a criação do Conselho de Defesa dentro da Unasur é uma reposta à medida dos Estados Unidos, de reativar a Quarta Frota?
Para começar, acho que a finalidade do Conselho de Defesa é responder às realidades internas e aos problemas da região. A idéia não é formar um bloco regional militar como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), mas sim criar uma rede de inteligência de defesa, promover a transparência quando se trata de gastos de defesa, e estabelecer procedimentos coordenados em casos de catástrofes naturais.
Mais importante ainda, o objetivo é ter uma plataforma para a resolução dos conflitos na América do Sul. O episódio que incentivou os chefes de estado da região a criar o conselho foi a crise, em 2008, entre Colômbia e Equador, quando o Exército colombiano bombardeou dentro do território do Equador uma base militar das Farc, matando o numero dois do grupo, Raul Reyes. Esta ação desencadeou uma série de rupturas diplomáticas e de provocações militares que os líderes americanos – principalmente o Brasil – querem evitar. Obviamente, nada impede que os membros do Conselho imaginem um papel mais importante e façam crescer suas responsabilidades.
De fato, a reativação da Quarta Frota provocou muitas críticas de parte dos países sul-americanos, preocupados com o impacto sobre sua segurança. No entanto, na situação atual, o Conselho de Defesa não tem capacidade para responder às eventuais ações da frota. Até agora, cada país tem de construir suas próprias respostas. Cuba e Bolívia o fizeram denunciando a Quarta Frota como uma força intervencionista. A Venezuela escolheu multiplicar as manobras militares conjuntas com a Rússia, assim como comprar uma quantidade substancial de armas e sistemas militares. Outros países, como Brasil, Argentina e Chile, já realizaram exercícios navais, enquanto México e Colômbia provavelmente terão uma colaboração com a Quarta Frota. Nem todos os países da região percebem a reativação da frota como um prelúdio para uma invasão.
A primeira reunião foi organizada num momento em que todos os outros mecanismos de integração regionais parecem estar com problemas, por causa da crise econômica mundial. Dá para imaginar uma dinâmica de integração baseada na integração militar, sabendo que a União Européia, depois de meio século de existência, nunca conseguiu atingi-la?
Sim. Mas para que isso aconteça, é necessário que os países parem com as pequenas provocações. É verdade que a agenda do Conselho de Defesa é ao mesmo tempo ampla e ambiciosa demais. Ainda assim, é bem sólido: eles condenam os atores beligerantes não-estatais, defendem a soberania dos estados membros e a promoção da paz na região. Estão previstas convocações de maneira bem regular para que os progressos sejam conferidos. A maior ameaça a uma integração mais profunda são as rivalidades dentro da própria organização, como entre Colômbia e Venezuela, Colômbia e Equador, Peru e Chile. O verdadeiro teste será em novembro, na próxima reunião do conselho. Vamos ver se algo avança nesse meio tempo.
Faz sentido criar um conselho de defesa, sem falar da questão do tráfico de drogas e armas, um dos maiores problemas na América do Sul?
A decisão do conselho de não discutir as questões do tráfico foi uma das maiores decepções dessa reunião inaugural. Bolívia e Peru estão enfrentando uma expansão dos cartéis de drogas cada vez mais forte. A violência cresceu muito nas cidades argentinas e brasileiras pela mesma razão. Não há duvida de que o o tráfico de drogas e os outros crimes relacionados constituem o elemento mais desestabilizador em todas as Américas hoje. Apesar disso, apenas foi evocado. Na reunião, disseram que o tráfico de drogas era uma questão policial que merecia atenção, mas infelizmente isso não era da competência do conselho, embora seja um grande problema de segurança para a região.
O Brasil é o principal advogado do Conselho de Defesa em nome da paz. Ao mesmo tempo, é o país que vende mais armas na região. Não é uma contradição?
Não deve ser uma surpresa que o Brasil seja um dos países que está promovendo a paz regional e o Conselho de Defesa. O país tem a maior indústria de defesa e as mais poderosas Forças Armadas do continente. É claro que está trabalhando para ser a potencia hegemônica regional. A grande economia, base industrial e força militar fazem com que esteja em uma posição única para promover uma iniciativa como a do Conselho de Defesa.
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