O anúncio de que a Coreia do Sul estaria oficialmente em “situação de emergência demográfica”, conforme o presidente conservador Yoon Suk Yeol, do Partido do Poder Popular (PPP), em meados de junho, despertou um alerta na população: até então, nenhum chefe de Estado sul-coreano havia feito tal declaração.
Em 2023, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) concluiu que o país asiático lidera o pior índice de natalidade entre as 38 nações contempladas pela entidade, com uma taxa de 0,72 filho por mulher, enquanto a média do órgão é de 1,56. A previsão para 2024, anunciada pelo Escritório Nacional de Estatísticas (organismo governamental) é que a taxa atinja níveis inferiores, caindo para 0,60.
“O número deve ser interpretado como uma rejeição coletiva à tentativa do governo de monopolizar os benefícios enquanto as mulheres suportam as desvantagens do parto”, afirmou Park Hyun Sook, secretária sênior de Lee Sang Sik, membro da Assembleia Nacional e representante do Partido Democrata da Coreia do Sul.
A Opera Mundi, a funcionária de alto escalão da oposição explicou que um recente projeto anunciado pelo governo, intitulado “Medidas para inverter a tendência da baixa taxa de natalidade”, contra um problema social que é “determinante para a sobrevivência da nação sul-coreana” apenas impulsionará a polarização no país. Segundo ela, o mandatário sul-coreano “não parece ter identificado as causas reais” da crise demográfica.
“Em nenhum momento houve menção à redução da jornada de trabalho. Dizem que vão ampliar os programas pós-escolares, o que separará as crianças dos pais o dia todo. Não havia nenhuma política para resolver as falhas da licença parental que, por sua vez, é um direito concedido apenas aos inscritos no seguro de trabalho”, criticou Park.
Vale ressaltar que a Coreia do Sul é o país com uma das maiores jornadas de trabalho do mundo, com uma média de 52 horas semanais. Em março de 2023, o ministro do Emprego e Trabalho, Lee Jung Sik, chegou a propor um projeto de lei que aumentaria a carga para 69 horas semanais. No entanto, o governo foi obrigado a voltar atrás, após uma enxurrada de críticas por parte da classe trabalhadora.
‘Medidas para inverter a tendência da baixa taxa de natalidade’
Em 19 de junho, o gabinete da Presidência da Coreia do Sul publicou novas medidas que têm como objetivo combater a crise demográfica do país. No entanto, as atualizações carecem de atendimento às verdadeiras necessidades das mulheres, não detalham de forma prática como seriam implementadas e tampouco preveem uma data específica para serem postas em vigor.
O projeto destaca que Yoon “aprofundou a reavaliação da política de baixa natalidade”, e conclui que as novas decisões devem se centrar em três áreas essencialmente: o equilíbrio entre trabalho e família, o cuidado dos filhos e a habitação.
Licença paternidade
Atualmente, a taxa daqueles que usufruem da licença paternidade é de apenas 6,8%. Nesse sentido, o governo promete “melhorias” para que ela atinja a 50%. Além disso, fala em conceder um aumento no pagamento mensal da licença parental para 2,5 milhões de won (US$ 1.810), que teriam validade nos três primeiros meses.
Após esse período, o montante cairia para 2 milhões de won (US$ 1.444). E, depois de seis meses, para 1,6 milhão de won (US$ 1.155).
O governo também prometeu oferecer mais tempo de licença paternidade, de 10 para 20 dias, estabelecendo “um ambiente social em que mães e pais possam trabalhar e criar os filhos juntos”.
O documento também revela que o governo pretende dividir o ônus sobre trabalhadores e empresas, fornecendo 1,2 milhão de won (US$ 860) por mês aos empregadores que contratem substitutos temporários destinados a cobrir funcionários em licença parental.
Cuidado dos filhos
O projeto também visa aumentar o apoio aos cuidados infantis e expandir os programas pós-escolares nas escolas primárias.
Para isso, a gestão se compromete a oferecer educação e cuidados gratuitos para crianças entre três e cinco anos dentro de seu período letivo e garantir que alunos do ensino fundamental de todo o país tenham acesso ao chamado “Escola Neulbom” – um programa integrado pós-escolar. No entanto, a ideia é criticada por muitas famílias, uma vez que filhos acabarão passando grande parte do dia separados de seus pais.
Habitação
De acordo com o projeto, as moradias serão priorizadas às famílias com recém-nascidos, que ganharão benefícios fiscais do governo. Já os recém-casados sem filhos terão acesso facilitado a empréstimos a juros baixos para comprarem ou alugarem casas, além de benefícios fiscais adicionais “a cada parto”.
O governo prevê entregar cerca de 120 mil casas para famílias que tenham bebês e disponibilizará mais apartamentos novos dando prioridade aos recém-casados.
Mulheres criticam projeto
Yang Yu Rim, de 28 anos, trabalha em uma empresa de manufatura na região metropolitana de Seul. Questionada pela reportagem se, de alguma forma, o projeto governamental atenderia às suas necessidades, a resposta foi curta e grossa: “não”.
“Doar algumas centenas de won [moeda sul-coreana] para criar um filho não vai mudar a opinião. Quem sabe? Talvez uma doação de 200 milhões de won realmente possa aumentar a taxa de natalidade? Mas olha, pessoalmente, não aceitaria nem mesmo com essa condição”, disse a sul-coreana, acrescentando ser “frustrante e opressora a rotina de ter um filho, deixar ele para ir trabalhar, voltar do trabalho e ter que cuidá-lo”.
A maior crítica envolve o sistema patriarcal no qual as mulheres são submetidas no país asiático, conforme Kim Su Jin, de 37 anos. Segundo a cabeleireira freelancer, “não se trata de dinheiro, trata-se do ambiente e da falta de conscientização”.
Após o novo anúncio do projeto de combate à baixa taxa de natalidade, a entrevistada relatou que suas “expectativas e confiança desabaram” e que seu desejo de ter um filho “desapareceu”.
Negacionista da discriminação de gênero
Um dos episódios mais polêmicos durante a campanha eleitoral de Yoon, em 2022, foi uma entrevista na qual o então candidato presidencial afirmou que “não há mais discriminação estrutural de gênero” e prometeu abolir o Ministério da Mulher, “porque já cumpriu sua função histórica”.
“A discriminação é uma questão pessoal. Os homens podem ser os vulnerabilizados ou as mulheres podem ser as vulnerabilizadas. É uma coisa do passado, essa história de que as mulheres são tratadas de forma desigual e os homens são tratados de forma superior”, disse.
A Opera Mundi, a secretária pelo Partido Democrata, Park Hyun Sook, repudiou as falas do mandatário ao afirmar que ele ignora a realidade da mulher sul-coreana, que diariamente precisa enfrentar a injustiça social imposta pelo país.
“Se atribuirmos a desigualdade estrutural ao problema isolado de um indivíduo, significa que todas as condições desiguais vividas pela sociedade, incluindo mulheres, idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores migrantes, são culpa do próprio indivíduo?”, questionou.
A opositora prevê que o rechaço ao parto por parte das mulheres, “que são forçadas a ocupar os cargos mais baixos do mercado de trabalho discriminatório em termos de gênero”, será agravada daqui pela frente.
“Em uma sociedade onde o casamento e o parto já são evitados devido ao emprego instável e à desigualdade econômica, o papel do governo deveria ser implementar políticas focadas nas questões de gênero, aliviando a sociedade de classes”, defendeu Park.