Cerca de dez milhões de equatorianos começaram esta manhã (26) a chegar às urnas da eleição geral mais incomum da história recente do país andino. É provável que o atual presidente, Rafael Correa, seja reeleito no primeiro turno, o que nunca aconteceu no país desde sua redemocratização, em 1979. Segundo uma última pesquisa da empresa Market, publicada hoje, mas cuja difusão está proibida no Equador, Correa alcançaria 51,7% dos votos válidos, contra 27,3% de seu imediato concorrente, o ex-presidente Lúcio Gutiérrez.
Se a votação confirmar este resultado, Correa não precisaria de um segundo turno e seria ratificado amanhã no cargo para um período de quatro anos. Além disso, o PAIS, partido de Correa, deveria ter a maioria dos legisladores e dos governos locais. Em menos de três anos, Correa e PAIS se transformaram de um grupo desconhecido – resultado da junção de todos os tipos de movimento de esquerda e ecologistas – aos grandes detentores do poder
Adversário multimilionário
O percurso desses três meses de campanha eleitoral se parece com a “crônica de uma re-eleição anunciada”. Além da altíssima popularidade do presidente (em dois anos não ficou abaixo de 60%), o governo utilizou todo o aparato estatal para difundir seu trabalho. Com isso, uma série de partidos e movimentos, que se focaram em promover uma campanha baseada na oposição ao presidente e sem propostas próprias, quase desapareceu do panorama.
“Como geralmente acontece no Equador, não é que um candidato ganha. Os outros é que perdem”, afirma Santiago Nieto, diretor da Informe Confidencial, instituto de pesquisas mais importante do país. Os candidatos com mais peso, depois de Correa, são o ex-presidente Lucio Gutiérrez, que foi deposto em 2005, e o multimilionário Álvaro Noboa. O “magnata da banana”, principal fonte de sua riqueza, está em sua quarta campanha e nas últimas três eleições ficou em segundo lugar
A continuidade de poder representa uma mudança na cultura política do Equador. O pequeno país – quarto menor da América do Sul e do tamanho do estado de São Paulo – costumava aparecer na imprensa por conta da multiplicidade de presidentes: teve 11 em 12 anos. A população, de maneira pacífica, derrubou três mandatários eleitos democraticamente: Abdalá Bucaram (1997), Jamil Mahuad (2000) e Lucio Gutiérrez (2005).
Cristão de esquerda
Rafael Correa, um professor de Economia de 46 anos, que se define a como um “cristão de esquerda” foi um personagem ativo nos protestos contra o Governo de Lúcio Gutiérrez. Conhecido pelo público apenas por sua passagem de três meses no Ministério de Economia em 2005, chegou à presidência em 2006 e se revelou um verdadeiro “animal político”. A partir daquele ano, ganhou quatro eleições consecutivas, mudando a Constituição (a vigésima desde a fundação do Equador em 1830) e impondo um marco legal em aparência mais esquerdista.
“Esta reeleição é a forma que concretiza seu projeto. A nova Constituição deu grandes poderes ao Executivo. Agora veremos o verdadeiro Correa, dono de um poder absoluto. Ele é um autoritário e quando sua política econômica cair, o que é possível, fará uso desse poder para ir contra a oposição e a imprensa”, assegura Benjamín Ortiz, um jornalista reconhecido e ex-chanceler do então presidente Mahuad.
Socialismo do século XXI
Nieto considera que a base do êxito de Correa é uma combinação do carisma do presidente com uma estratégia política e técnica, “nada ideológica”. “É populismo baseado em dar aos eleitores aquilo que ele quer”. Para María Paula Romo, uma jovem deputada estrela do partido PAIS, o que explica a popularidade de Correa é o reconhecimento de sua política social (sobretudo na área da saúde), batizada como a “Revolução Cidadã”. Este projeto, que segundo seus opositores se assemelha com o socialismo de seu colega venezuelano, Hugo Chávez, defende “a supremacia do trabalho humano sobre o capital” e está baseada num “profundo senso da ética”, disse várias vezes o chefe de Estado. Correa compartilha com Chávez a vontade de construir na América Latina o “socialismo do século XXI”
Em seus dois anos de governo, Correa conseguiu melhorar o sistema de educação e de saúde para os mais desfavorecidos, além de tentar planos de reativação do setor produtivo para afastar o país da dependência do petróleo, principal produto de exportação. Seu modo de governar foi também marcado pelas tentativas de acelerar a integração latino-americana – ele apoia a União de Nações Sul-americanas (Unasul) e o Banco do Sul – e sua posição anti-imperialista. Ele chegou a dizer que preferia ter a mão cortada a renovar com os EUA um contrato para o uso de uma base militar, em Manta no oeste do país
A fórmula do êxito só não funciona no porto de Guayaquil, a cidade natal do presidente. O prefeito da cidade, Jaime Nebot, um representante de tudo o que Correa ataca (poderoso, de direita, defensor da liberdade econômica das empresas), dever ser re-eleito pela segunda vez. A pesquisa Market prevê uma ampla vantagem de Nebot, com 68,6% de apoio, sobre a candidata governista María Duarte, que tem respaldo de 22,5%. Nebot tem o dobro da popularidade de Correa em Guayaquil, a cidade mais povoada do país. Um dos poucos triunfos que o presidente tem tentado conquistar, até agora, em vão.
O presidente equatoriano, Rafael Correa, encerrando sua campanha pela reeleição; foto: José Jácome/EFE
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