Na Suécia, país-estandarte da social democracia europeia, a
extrema-direita xenófoba conquistou 17,5% dos votos em eleições realizadas
nesta semana. Associando sua raiva aos imigrantes, como acontece em diversas
partes da Europa, dos EUA e até no Brasil, a razão do crescimento da direita
radical pode não estar tão associada ao ódio irracional contra populações
vulneráveis, mas ao sentimento de abandono diante da aplicação de políticas
neoliberais, como aconteceram nos últimos anos na Suécia.
Essa é a opinião do linguista, cientista político e filósofo
Noam Chomsky, apoiado por um estudo de cinco economistas suecos que
mostrava a ligação entre o corte de gastos em políticas sociais e o crescimento
do ódio. “Os eleitores da extrema-direita xenófoba têm pouco contato com
imigrantes, mas sofreram com as políticas neoliberais do governo sueco em anos
recentes. São pessoas deixadas de fora conforme a desigualdade cresceu e que se
sentiram abandonadas pelas instituições políticas”, relatou Chomsky, presente
ao Seminário Internacional Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, e
responsável por abrir a segunda mesa do evento, “O progressismo e o
neoliberalismo em um mundo em desenvolvimento”.
Ele explicou também que o neoliberalismo surgiu durante uma
crise da democracia, na década de 1970, quando as mentes pensantes do
capitalismo central se sentiram ameaçadas pelo crescimento de grupos
organizados de minorias, mulheres, negros e LGBT, que buscam reivindicar seus
direitos.
Contra esse movimento, as elites precisaram desenhar um novo
modelo social que combatesse as greves e as lutas dos trabalhadores. “Eles
diziam: ‘são marginais que devem ser colocados em seus lugares’ – ou seja, como
espectadores, não participantes do processo político, enquanto a minoria de
homens responsáveis comandam em nome de todo mundo”. Desde então, os lucros do
mercado financeiro cresceram mais de 1000%, enquanto os salários reais
declinaram.
Essa mudança de paradigma, que também demandou mudanças na
educação para formar cidadãos mais “dóceis e obedientes”, preconizadas pelas
reformas do Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, geram
“frustração, raiva e tristeza” na classe trabalhadora, que irá se voltar contra
alvos mais vulneráveis. E, desde os anos 1970, quando aconteceu o “assalto
neoliberal de Margaret Thatcher e Ronald Reagan [Primeira ministra do Reino
Unido e o presidente dos EUA nos anos 1980]”, que preconizava a
inexistência da sociedade – “existem apenas indivíduos” –, o modelo teve que
ser renovado.
Criação de precariedades
Com a crise imobiliária de 2008 e as revoltas que se
seguiram em todo o mundo, o sistema financeiro teve que buscar novas formas de
garantir seus lucros. “A economia está desenhada para criar precariados”, diz
Chomsky, ao lembrar de um estudo importante do economista Alan Krueger, que
mostra “que 95% do crescimento do emprego nos EUA entre 2005 e
2015 aconteceu em arranjos alternativos, temporários, de meio período,
transformando a sociedade em um saco de batatas e criando uma mistura tóxica
que pode irromper de formas perigosas, como vemos hoje pelo mundo”.
Além disso, avançou o que ele qualifica de “capitalismo
corporativo”. “O poder corporativo se traduz em declínio da democracia”,
analisa Chomsky. “A grande maioria da população é abandonada e os
representantes apenas defendem os interesses dos doadores de campanha. A
Amazon, a segunda empresa de US$ 1 trilhão de dólares dos EUA, que consome 2%
da energia elétrica do país, tem muitos subsídios, enquanto se cortam
benefícios sociais. Só quem ganha é o agronegócio, as finanças, as grandes
indústrias”.
Com a democracia sob ataque, um processo que, apesar do
exemplo estadunidense, pode ser visto também no Brasil e em diversas partes do
globo, quais são as saídas? Mesmo reconhecendo que a situação do país é grave,
Chomsky apresenta um exemplo generoso:
“Há um século, o Brasil era reconhecido como possível
colosso e esse objetivo parecia à vista há alguns anos, quando se tornou talvez
o país mais respeitado do mundo, sob a liderança de Lula e de seu ministro
Celso Amorim, com seus impressionantes feitos. E isso é uma indicação do que
pode ser alcançado pelo país. Nunca subestime os obstáculos à frente e tampouco
a capacidade do espírito humano de superá-los e prevalecer”.
Resistências
Na sequência, antes de começar sua exposição, Cuauhtémoc
Cárdenas, presidente do Centro Lázaro Cárdenas, do México, e ex-prefeito da
Cidade do México, destacou a satisfação de encontrar o ex-presidente Lula na
superintendência da Polícia Federal em Curitiba, na tarde da última
quinta-feira (13/09). “Encontramos uma pessoa que nos levantou o ânimo, nos fez
ver que ele segue combativo e disposto a seguir na luta”.
Cárdenas fez uma explanação sobre a realidade atual do
México, recordou a aplicação de políticas neoliberais nas últimas décadas e a
recente eleição do esquerdista Andrés Manuel López Obrador como um marco
para a história recente dos mexicanos, no sentido de superar problemas gerados
ou aprofundados pelo período neoliberal. “Nós acreditamos que a única forma de
resolver os nossos problemas é mudar o modelo, o sistema de desenvolvimento
político, econômico e social que temos”.
“Estamos propondo uma mudança na forma como vivemos. E que
finalmente possamos superar isso que ficou conhecido como políticas
neoliberais”, ressaltou.
Em seguida, Luiz Carlos Bresser Pereira, economista,
cientista político, ex-ministro nos governos de José Sarney (PMDB, 1985-1990) e
Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1994-2002) fez uma fala com foco no
desenvolvimento da economia capitalista até a adoção das políticas neoliberais,
mais fortemente aplicadas a partir da década de 80 na América Latina. E fez uma
crítica aos projetos políticos de esquerda, pela ausência de uma alternativa.
“O neoliberalismo, que esteve vigente no mundo desde a década de 80, fracassou.
Mas a centro-esquerda não conseguiu formular o seu projeto econômico”.
Já Carlos Ominami, ex-senador chileno e diretor da Fundación
Chile 21, homenageou o ex-presidente Lula. “Eu diria que Lula é o principal
líder, a figura mais destacada do progressismo a nível global. Em uma época
existiam dois: Nelson Mandela e Lula. Mandela se foi e Lula ficou. Por isso,
por sua liderança no Brasil e no mundo, podemos dizer que tentaram acabar com
ele, mas não conseguiram. Hoje Lula é maior do que antes”.
E comparou o golpe de Estado no Brasil, em 2016, ao golpe
vivido por Salvador Allende no Chile, na década de 70. “As ameaças à democracia
existem e são muito sérias. E o Brasil é um exemplo disso. O golpe de estado em
2016 contra Dilma é, talvez, o fato mais grave da política latino-americana
desde o golpe contra Salvador Allende”.
Brasil da esperança
O ex-primeiro ministro espanhol José Luís Rodrigues
Zapatero, lembrou, em tempos de crise migratória, como o Brasil foi capaz de
receber ao longo de sua histórias, ondas de imigrantes europeus, acolhendo,
dando refúgio e oferecendo uma nova vida e construção do país. E que isso se
seguiu até o presente, com os últimos governos progressistas do país.
“O Brasil é uma referência decisiva para a América Latina. O
Brasil de Lula, da democracia, da esperança. Nunca se havia empenhado tanto na
luta contra a pobreza e a miséria no mundo. Temos que reconhecer o seu
compromisso em erradicar a pobreza extrema e a morte por fome. Minha geração
pode ser a primeira que conhece o fim da mortalidade pela fome no mundo”,
disse.
Zapatero, ao fim, pediu que o campo progressista não perca a
esperança e a capacidade de pensar saídas para o neoliberalismo. “Todos os
petistas, lulistas, todo o Brasil progressista, temos que demonstrar que não
permitem que a democracia seja a superioridade dos mais poderosos. Não podemos perder
a confiança em nós mesmos, no que representamos nos valores da esquerda, nos
ideais, e saber que a democracia é sempre uma luta pela democracia.”,
finalizou.
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