Há dez dias, Santiago do Chile amanheceu paralisada por uma enorme manifestação de 10 mil pessoas, em greve nacional contra as demissões. Foi um choque para a maioria da população, pouco acostumada, desde a época da ditadura de Augusto Pinochet a este tipo de protesto, já que foi a segunda greve durante o governo de Michelle Bachelet.
A motivação dos manifestantes era simples: o desemprego chegou a um nível recorde. Na cidade de Santiago alcançou 12,8% em março, o maior índice desde setembro de 2003, segundo a pesquisa feita pela Universidade do Chile.
Não resta dúvida, a crise chegou ao Chile. O país andino está pagando caro por sua dependência das exportações, que representam 45% do Produto Interno Bruto (PIB). Só no mês de fevereiro, a produção industrial desacelerou de 11,5%, a maior queda desde 1990. Alberto Ramos, economista do banco de investimento Goldman Sachs, explica desde a sede de Nova York que “os efeitos desta contração, como o desemprego, não são uma surpresa”.
Crescimento nulo
De acordo com a previsão da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe, o braço econômico da ONU na região), o Chile deve ter crescimento nulo em 2009. Uma ruptura em relação aos últimos anos, durante os quais o Chile foi um dos países que mais cresceu na América Latina. Em 2008, o PIB aumentou de 3,8%, uma pequena desaceleração depois dos 5,1% registrados em 2007.
A principal razão da desaceleração da economia é a queda brutal dos preços do cobre. Chile é o primeiro exportador mundial deste mineral. Em 2007, a libra-peso de cobre alcançou 4 dólares, graças a demanda da China. Hoje, apenas chega a 1,4 dólares libra-peso. Um desastre para as contas do país andino: o cobre representa mais de 56% das exportações do país e mais de um terço das entradas fiscais.
Consequência: Santiago deveria registrar este ano seu primeiro déficit comercial desde 1998. O Banco Central calcula que deveria atingir 2,4 bilhões de dólares (cerca de 5,7 bilhões de reais), com uma queda de 32% das exportações.
Para Marcelo Charlín, pesquisador do Instituto de Sociologia da Universidade de Valparaíso, uma das principais causas do aumento do desemprego é o baixo investimento nacional em todos os setores, desde o imobiliário até a produção e extração de minérios, o que torna a economia do país muito dependente do comercio mundial.
O sociólogo afirma também que outro fator responsável é a diminuição do ritmo da indústria de cultivos marinhos, que gerava cerca de 60 mil empregos no sul do país. Houve recentemente uma infecção viral que causou a paralisação dos centros de cultivo, especialmente de salmão. “Esta indústria vem sendo afetada por uma crise tripla: sanitária; financeira e comercial”, disse Charlín
Modelo exportador
Seja as vendas de cobre ou de produtos agropecuários – o Chile é também um grande produtor de frutas – é o modelo exportador do país que esta em questão, como enfatiza André Martins Biancarelli economista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Ele acredita que o caráter predominantemente exportador do Chile é uma questão paradoxal: “Por um lado gera dependência, por outro, é difícil mudar o quadro porque é uma economia pouco diversificada e pequena”. Com 15 milhões de habitantes, o Chile enfrenta dificuldade de impulsionar uma economia com mão de obra escassa e poucos consumidores.
O Chile tentou destacar-se economicamente dos demais países da América do Sul, já na época da ditadura de Augusto Pinochet, com uma modernização na década de 1990. O governo privatizou as empresas estatais e multiplicou os tratados de livre comércio com mais de 30 países, dos Estados Unidos à Ásia, passando pela Turquia e Austrália.
Pobres e pouco qualificados
Biancarelli avalia que esta postura tem efeitos ambíguos. “O caráter aberto e exportador é negativo porque destrói a capacidade de desenvolvimento da indústria local. Por outro lado, como é um pais dependente de minério, procura investir em produtos com vantagem comparativa internacional, como o cobre”.
As perspectivas não são muito animadoras. Marcelo Charlín acredita que “20 mil empregos vão desaparecer ao longo de 2009”. Todos os setores foram afetados, principalmente na construção, na indústria e nos serviços financeiros. Charlín enfatiza que o desemprego vai atingir mais os pobres e os menos qualificados.
A situação é complicada para a “Concertación”, a coligação formada pelos socialistas e pelos democrata-cristãos, que tentam ganhar de novo a eleição presidencial em dezembro deste ano. A oposição de direita esta usando o mau desempenho da economia para criticar o balanço da presidente Michelle Bachelet.
Reservas confortáveis
É para evitar que a crise piore que o Governo lançou em janeiro um plano de estímulo fiscal de quatro bilhões de dólares (aproximadamente 9 bilhões de reais), equivalente a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB).
O objetivo é estimular o emprego e o crescimento em 2009, incentivando a produção do setor privado. Segundo os dados do Governo, de cada 10 empregos no Chile, oito são gerados pela iniciativa privada e o restante pelo setor público.
O governo acredita que não terá dificuldade para financiar estas medidas já que possui um colchão de reservas de 21,5 bilhões de dólares (47,6 bilhões de reais). “O Chile acumulou fundos com a venda do cobre, quando os preços estavam altos”, explica Alberto Ramos. O economista defende que estas reservas podem ajudar a amenizar os efeitos da crise. “Além disso, tem uma divida pública pequena”.
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