A crise institucional em Honduras, provocada pela destituição há um mês do presidente Manuel Zelaya, pôs em evidência a atuação da OEA (Organização dos Estados Americanos) na região. Constituída por todos os países do continente, a entidade afirmou com veemência a ilegalidade do governo golpista de Roberto Micheletti. Todavia, críticas incidem sobre o imediato posicionamento, que teria limitado o espaço para a negociação.
Esta é a avaliação de Michael Shifter, vice-presidente do Inter-American Dialogue, instituto baseado em Washington e especializado na análise política das Américas. Em entrevista ao Opera Mundi, ele diz acreditar que grandes reformas na OEA são quase impossíveis hoje em dia, o que ressalta a importância da política externa dos Estados Unidos na região. Shifter também destacou a importância de outros países no contexto, dentre eles o Brasil, “uma potência regional”.
A OEA emitiu um ultimato de 72 horas para o regresso ao poder de Manuel Zelaya e o secretário-geral da organização, José Miguel Insulza, viajou a Honduras para convencer o governo golpista de Roberto Micheletti a respeitar a resolução. No dia 4 de julho, a OEA acabou suspendendo Honduras, sem conseguir a volta de Zelaya. O senhor acha que foi uma boa jogada?
Acho que a OEA agiu com celeridade e firmeza ao que foi claramente um golpe. A destituição forçada de Manuel Zelaya tocou em um ponto muito sensível para a maioria dos países da região, que tem lutado longamente para manter as forças armadas sob controle civil. Todavia, não estou convencido que emitir um ultimato e anunciar logo a suspensão do país, que é uma medida drástica – só aconteceu com Cuba – era a mais sábia. Uma vez reafirmados os princípios da ilegitimidade do golpe e a volta de Zelaya, a OEA tinha que tentar acalmar os espíritos. Isso teria dado mais tempo à OEA para trabalhar.
A crise em Honduras chamou a atenção para o funcionamento da OEA e a necessidade de reformá-la. Alguns têm apontado que a organização deveria ter um mecanismo para antecipar as crises e tentar impedi-las antes que explodissem, como por exemplo, com o envio de uma missão ao país. O que o senhor acha da proposta?
Em um mundo ideal, a OEA deveria ter a capacidade de antecipar e prevenir essas crises políticas. Nossa instituição, a Inter-American Dialogue, já recomendou essa mudança em um informe sobre a OEA que foi publicado há mais de dez anos. Acho que o contexto político era bem mais favorável para uma reforma naquela época. Hoje, o tema da soberania é sensível na região. Não dá para subestimar a reação de qualquer país a uma “alerta” da OEA, que pode ser interpretada como uma violação de soberania.
A OEA não tem autoridade para impor sanções contra seus membros. Só pode aprovar sanções já decididas por países membros. O senhor acha que a organização deveria ter essa autoridade?
Conhecendo a cultura dentro da OEA e a forma como funciona ao longo dos anos, fazendo do consenso sua prioridade, acho que não existem as condições políticas para uma mudança. A OEA não é a ONU (Organização das Nações Unidas). Esta reforma não é para amanhã.
O senhor acha que o que aconteceu em Honduras pode incentivar uma nova onda de golpes na região, especialmente na América Central?
Duvido que isso aconteça. Honduras é um caso específico, com uma situação política interna muito complexa. Além disso, desde o golpe, Honduras esta submetida a uma firme censura por parte dos países vizinhos e da comunidade internacional em geral. Ninguém reconhece o governo de Micheletti. Isso tem um peso importante. Honduras esta pagando muito caro por este golpe.
Alguns analistas aproveitaram a crise em Honduras para pedir à OEA que abordasse problemas relacionados à democracia na América Latina. Eles apontam, por exemplo, a concentração de poderes dentro das instituições democráticas do país. Seguindo esta estratégia, a oposição venezuelana acabou de pedir uma intervenção da OEA. O senhor acha que é uma reivindicação justa?
É um problema real. Existe um compromisso com a democracia, mas é seletivo. Há muita hipocrisia e tratamentos diversos, dependendo dos atores envolvidos. É verdade que é muito mais fácil usar os princípios da Carta Democrática quando um presidente é afastado do que quando ele tenta contornar as instituições democráticas, como eu acho que é o caso na Venezuela, e também o caso de Zelaya antes do golpe. Mas na verdade, daria para usar esses princípios também nessas situações, apesar das dificuldades. A Carta Democrática da OEA é um quadro cuja aplicação eficaz depende em grande medida da vontade política dos membros.
Qual é sua visão sobre os outros atores na região durante a crise?
O golpe em Honduras gerou um forte consenso na região, por três razões. Primeiro, Zelaya é um aliado de Hugo Chávez e um membro da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), uma iniciativa da Venezuela para responder à Alca, a zona de livre comércio que George W. Bush queria. Isso fez com que todos os membros da Alba reagissem energicamente ao golpe.
Em segundo lugar, o golpe tocou em um ponto sensível na história de vários países que sofreram golpes militares, como Argentina, Brasil, Chile e Uruguai.
E, terceiro, o governo Obama queria consertar os danos perpetrados na região pelo seu antecessor. Por isso, tinha que ficar do lado certo sobre esta questão da democracia. Foi a Venezuela que defendeu com mais vigor o restabelecimento de Zelaya, o que talvez explique as decisões precipitadas da OEA logo depois do golpe.
Tem que se ressaltar que a tentativa do presidente de Costa Rica, Oscar Arias, é muito importante. Agora, seria interessante ver se outros governos, como Brasil, Chile ou México irão começar a desempenhar um papel mais ativo na resolução da crise em Honduras.
O senhor acha que o Brasil tinha que ter um papel maior na negociação?
A proximidade geográfica continua a ser um fator importante nos assuntos interamericanos. Por isso, é lógico que Arias tenha se envolvido mais. Também e impressionante notar que ambos os campos na disputa hondurenha estão esperando uma intervenção de Washington para ajudar a resolver a crise. Os laços entre Honduras e os Estados Unidos são muito profundos, especialmente em termos econômicos e demográficos. Nesta situação, é compreensível que o Brasil não tenha tido um papel central, ao contrário de outros acontecimentos na América do Sul, que irão continuar a acontecer. No entanto, Brasil é uma potência regional cujo peso é muito importante. Pode ser que tenha que se envolver mais, exercendo sua influência, dependendo de como a crise se desdobra.
Leia a segunda parte da entrevista:
Shifter, parte 2: Quem decide a política externa dos EUA é Obama, não Hillary
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