Cuba debate três projetos de lei – Lei dos Estrangeiros, Lei da Cidadania e Lei da Migração – que, caso sejam aprovados, transformarão a vida dos cubanos, tanto dos que vivem no estrangeiro como dos que residem na ilha. Elaborados pelo Ministério do Interior, em colaboração com equipes técnicas da Universidade de Havana, estes projetos atualizam a reforma migratória adotada há 12 anos.
A nova legislação tem como objetivo “aumentar os direitos dos cubanos no exterior” e busca garantir uma “migração ordenada e segura”, disse Mario Méndez Mayedo, chefe da Direção de Identificação, Imigração e Estrangeiros do Ministério do Interior de Cuba (Minint) à imprensa.
Ao mesmo tempo, estes projetos visam gerar uma maior “inclusão dos migrantes cubanos na dinâmica econômica do país”. Isto porque a legislação “cria as bases para que, de acordo com o nosso modelo socioeconômico, os residentes no estrangeiro com a intenção de investir no nosso país tenham certas facilidades migratórias”.
Em continuidade com a legislação em vigor, o projeto de lei estabelece que os cubanos “não podem ser privados da sua cidadania, exceto por causas legalmente estabelecidas”, entre as quais “o alistamento em qualquer tipo de organização armada com o objetivo de atentar contra a integridade territorial do Estado cubano, dos seus cidadãos e de outras pessoas residentes no país, ou a partir do estrangeiro praticar atos contrários aos altos interesses políticos, econômicos e sociais da República de Cuba”.
Para a sua redação, foram criados mecanismos democráticos de consulta e participação que permitem a inclusão de comentários e sugestões da população. Através de um sistema de e-mails e contatos telefônicos, os cubanos podem incluir as suas observações sobre as propostas, assim como participar em reuniões e assembleias realizadas em vários locais de trabalho ou de estudo.
A nova legislação será discutida – e tudo indica que será aprovada – durante a próxima sessão parlamentar, que terá início em meados de julho.
As medidas também se estendem para cidadãos cubanos nos Estados Unidos. De acordo com o Serviço de Alfândegas e Proteção das Fronteiras dos Estados Unidos (CBP na sigla em inglês), durante 2023, foram registadas 153 mil entradas irregulares de cubanos nos Estados Unidos. Outros 67 mil o fizeram através do programa conhecido como Parole, que prevê uma autorização de permanência temporária.
Entenda a nova regulamentação migratória de Cuba
Em entrevista ao Brasil de Fato, Ernesto Moreira Sardiñas, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Havana, explica como foram as mudanças nas políticas migratórias do país nos últimos anos.
“Antes de 2012, a legislação exigia uma autorização para sair do país e residir no exterior. Sem essa autorização e estando fora de Cuba durante mais de 11 meses, considerava-se que se tinha abandonado o país, o que era classificado como ‘emigrado’. Isto significava que se perdiam os direitos de cidadão, por exemplo, o direito aos bens, como a casa ou o carro, e as pessoas consideradas ‘emigradas’ tinham os seus bens confiscados”, explica.
Estas regulamentações mudaram em 2012, quando foi implementada uma grande reforma migratória. A partir desse ano, Sardiñas destaca que “as pessoas podiam sair do país sem ter de pedir autorização e, para serem classificadas como ‘emigradas’, o período de tempo fora do país foi alargado para 24 meses”.
Além disso, durante esta reforma, foi eliminado o procedimento de confisco. “A partir desse momento, se uma pessoa se tornar um ‘emigrado’, ou seja, se sair definitivamente sem autorização ou por mais de dois anos, ela tem o direito de vender os seus bens ou de os doar”.
Naqueles anos, esta medida foi tomada em paralelo com a abertura do mercado imobiliário em Cuba. Até 2011, não era possível comprar e vender imóveis na ilha. Assim, a reforma da imigração de 2012 acompanhou, em grande medida, as mudanças que estavam ocorrendo no país. “Quais foram as consequências disso? As pessoas saíam e, quando estavam prestes a completar os 24 meses, regressavam ao país, ficavam pouco tempo e depois saíam novamente. Desta forma, não perdiam a residência”.
Esta dinâmica teve um forte impacto nas estatísticas migratórias de Cuba, uma vez que “todas as pessoas que de fato viviam fora do país apareciam como residentes. As pessoas que não viviam efetivamente em Cuba acabaram por ser reconhecidas como residentes”.
Com a nova legislação, acaba o prazo de 24 meses e deixa de haver limites para o tempo de permanência fora do país. Trata-se de uma regulação que responde a uma demanda amplamente generalizada entre os cubanos. Desta forma, o projeto de reforma contempla duas novas categorias de cidadãos cubanos: “Residente no Território Nacional” e “Residente no Estrangeiro”.
“Estamos começando a pensar em termos de residência efetiva, que está mais ligada ao local onde se vive ou se passa a maior parte do ano”, considera Sardiñas.
Esta nova legislação pretende “incentivar a presença de emigrantes em Cuba” e “promover a proximidade destes emigrantes ao seu território. A ideia é incentivar os processos de migração circular, ou seja, que haja um maior fluxo de ida e volta entre os cubanos que vivem no estrangeiro e o país”, disse Sardiñas.
Para o professor, “esta política migratória procura uma maior participação dos cubanos residentes no estrangeiro no modelo econômico do país. A lei contempla, inclusive, uma nova categoria migratória para os cubanos residentes no exterior: Investidor e negócios”.