Sexta-feira, 11 de julho de 2025
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Uma mulher comunista está na liderança das pesquisas eleitorais para presidir o Chile. Anunciada oficialmente candidata pela Unidade pelo Chile, coalização de esquerda e centro-esquerda, Jeannette Jara avançou 24 pontos nas sondagens, passando de 7,4% das intenções de voto em maio para 31,4% neste mês de junho.

A pesquisa da consultora Activa Research ocorre após as primárias da coalização de esquerda e centro-esquerda, ocorridas no último domingo (29/06), que deram uma vitória esmagadora à candidata do Partido Comunista chileno (PCCh, por sua sigla em espanhol), com 60,17% dos votos.

Pela primeira vez, os comunistas chilenos contarão com o apoio de uma grande coalizão na disputa pelo Palácio de La Moneda. Jara não é a primeira mulher comunista a disputar a Presidência do Chile: em 1999, Gladys Marín se lançou ao cargo e obteve 3,19% dos votos.

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A diferença é que agora, 25 anos depois, há reais chances de vitória sustentada por uma ampla base de apoio. Uma virada histórica para o Partido Comunista que não apresentava um nome tão competitivo desde Elias Lafert, em 1932.

Com simpatia da população e um legado de realizações a apresentar, Jara apresentará os feitos de sua passagem pelo Ministério do Trabalho e de Bem-Estar Social do atual governo de Gabriel Boric. “Temos a oportunidade de reencantar os cidadãos”, disse a agora candidata, em seu discurso de vitória, após vencer quadros importantes da centro-esquerda chilena, como Carolina Tohá (Partido Pela Democracia) e Gonzalo Winter (Convergência Social).

Com 31,4% das intenções de voto, Jeannette Jara lidera as pesquisas no Chile
Reprodução X / @MintrabChile

Principal aposta da esquerda para as eleições de novembro, aos 51 anos, ela enfrentará a extrema direita liderada por José Antonio Kast (Partido Republicano) e a direita encabeçada pela ex-ministra de Sebastián Piñera, Evelyn Matthei (União Democrata Independente) que detêm, segundo a sondagem divulgada nesta sexta-feira (04/07), 18% e 17,4% das intenções de voto, respectivamente.

Seu desafio será construir pontes para além da esquerda. Para isso, Jara irá apostar em suas origens populares e em uma trajetória de 35 anos em defesa da classe trabalhadora chilena.

De Conchalí

Filha de uma dona de casa e de um mecânico industrial e primogênita de cinco irmãos, Jara nasceu em 1974, em El Cortijo, na comuna chilena de Conchalí que fica na periferia de Santiago. Suas origens são humildes, ela cresceu em uma ‘mediagua’, como são chamadas as habitações pré-fabricadas típicas das periferias da capital chilena, e sempre estudou em escolas públicas.

“Como vocês sabem, eu era uma menina que começou a vida numa família humilde em Conchalí (…), uma menina como muitas outras que hoje, aos cinco ou dez anos, talvez me vejam hoje na televisão (…) A essa menina, venho oferecer o meu coração”, afirmou em seu discurso de vitória.

Sua militância comunista começou cedo, aos 15 anos, quando ingressou na Juventude Comunista do Chile (JJCC, por sua sigla em espanhol). Foram dez anos até se tornar, efetivamente, membro do PC chileno, aos 25 anos. No mesmo período, ela ingressou na Serviços de Impostos Internos do Chile (SII, similar à Receita Federal), onde atuou como auditora, tornando-se líder sindical dos trabalhadores fiscais.

Com dupla graduação, em Administração Pública pela Universidade de Santiago (USACH) e em Direito pela Universidade Central do Chile, além de um mestrado em Gestão e Políticas Públicas pela USACH, Jara integrou como assessora e, depois, subsecretária de Bem-Estar Social, o segundo governo de Michelle Bachelet (2014-2018), a primeira mulher a presidir o país.

“Não posso falar de ex-presidentes sem reconhecer, pelo menos por um momento, o tremendo legado que a ex-presidente Michelle Bachelet nos deixou. Foi ela quem nos mostrou, mulheres, que nada é impossível, com talento, esforço e paixão. Obrigada, Michelle, por abrir caminho”, afirmou Jara, no último domingo.

Ministra de Boric

À frente do Ministério do Trabalho e Bem-Estar Social do atual governo, Jara ganhou projeção nacional ao aprovar três grandes reformas que impactaram diretamente a vida dos trabalhadores chilenos: a redução da jornada semanal de 45 para 40 horas, o aumento do salário-mínimo para 500 mil pesos (atualmente, o mais alto da América Latina) e uma reforma previdenciária que conquistou apoio até da direita.

Ela deixou o cargo, em 7 de abril para disputar as primárias, com o compromisso de ampliar a agenda social. Em seu discurso, prometeu aos chilenos um “salário digno” de 750 mil pesos chilenos (R$ 4.335,00), caso seja eleita.

Apoiada nas prévias pela Ação Humanista e pela Esquerda Cristã, Jara contará com apoio do presidente Boric que a parabenizou pela vitória nas prévias, convocando as demais forças a apoiá-la. “Saúdo e abraço Jeannette Jara pelo enorme apoio que recebeu hoje. Ela lidera imediatamente as forças do progressismo rumo ao futuro, que claramente a escolheu como sua líder. O que nos espera não será fácil, mas Jeannette sabe travar batalhas difíceis”, postou Boric na plataforma X.

“Agora, vamos todos trabalhar juntos pela unidade, com carinho e abertura para convocar a maioria de nossos compatriotas a continuar construindo um país mais justo, seguro e feliz”, convocou, ao festejar a participação de 1,4 milhão de pessoas na escolha eleitoral.

‘O que está por vir não vai ser fácil, mas Jeannette sabe sobre batalhas difíceis’, afirmou o presidente chileno Gabriel Boric
Reprodução X / @GabrielBoric

Rumo ao La Moneda

Ao longo de sua campanha, Jara manteve um tom conciliador e evitou grandes embates ideológicos. Pressionada a comentar sobre a Venezuela e o governo de Nicolas Maduro, ela contradisse o PC chileno, afirmando que se trata de um “regime autoritário”. Também afirmou que o sistema cubano é “democrático à sua maneira”, acrescentando que a Ilha “tem problemas internos” e que houve “violações de direitos humanos” contra presos políticos.

Suas declarações reforçam a busca de apoio em segmentos moderados do Chile, como a Democracia Cristã, partido cuja direção resiste em apoiá-la por ser comunista – apesar de que alguns dos seus parlamentares, sim manifestaram apoio à sua candidatura, como a senadora e ex-candidata presidencial Yasna Provoste, o senador Francisco Huenchumilla e o deputado Eric Aedo.

Para escapar das simplificações, Jara vem apresentando propostas. Além do aumento do salário-mínimo prometido aos chilenos, sua estratégia econômica está focada na expansão do mercado interno chileno, através de incentivos ao consumo privado e público, e do aumento dos investimentos estatais.

Seu programa de governo prevê medidas para o fortalecimento da renda familiar, geração de emprego, estímulo à negociação coletiva e reforma tributária progressiva. Ela também defende o reconhecimento e a remuneração do trabalho doméstico e de cuidado, e é uma apoiadora aguerrida do projeto de creche universal, em discussão no Parlamento chileno, com forte adesão popular.

Embates

Embora evite polêmicas, Jara mostrou que é capaz de grandes embates. Em relação às imensas reservas de lítio do país, já afirmou que irá rever um acordo para a exploração do mineral no Salar de Atacama, firmado entre a estatal Codelco e a empresa SQM da família de Julio Ponce Lerou, ex-genro do ditador Augusto Pinochet.

Como informa El País, ela pretende revisar o acordo, mas respeitará as leis. “Se for a nossa vez de assumir a Presidência e isso for resolvido, eu o respeitarei. Existe o Estado de Direito aqui; se não for, buscarei outro caminho”, afirmou.

O Chile é um dos países do chamado “triângulo do lítio”, ao lado da Argentina e da Bolívia. Os três detêm as reservas mais importantes do mineral das chamadas terras raras, fortemente cobiçado pelo setor de tecnologia e dos carros elétricos.

Sua postura também é firme na defesa intransigente da soberania chilena e da ordem multilateral. Se eleita, alertou, não deixará o Chile subordinado “a governos estrangeiros ou a modelos externos”.

“Manterei uma política internacional baseada na independência e no multilateralismo, defendendo os direitos humanos onde quer que sejam violados no mundo, em linha com nossa tradição como Estado, promovendo relações comerciais com outras nações que nos beneficiem como país. Continuaremos a ser um país livre, independente e soberano”, garantiu.

Manifestações de sensibilidade social e de firmeza, características notáveis das grandes presidentas de esquerda e centro-esquerda na América Latina, vide Cláudia, Dilma, Michelle, Cristina, Xiomara

Com informações de El Mostrador.