Em 14 de janeiro, os funcionários da fábrica da Fiat em Turim, planta-símbolo da empresa, votaram um novo contrato que, em nome do aumento da produtividade e investimentos, limita greves e faltas ao trabalho, especialmente para os operários da linha de montagem. A votação foi uma iniciativa do presidente mundial da Fiat, o ítalo-canadense Sergio Marchionne, que há meses pressiona as centrais sindicais a aceitarem a revogação das normas contratuais, ameaçando fechar as fábricas que não concordarem com as novas condições.
Em Turim, a participação foi especialmente alta: 96%. Os defensores do acordo, aceito pelos dirigentes de todos os sindicatos, exceto o FIOM (sindicato dos metalúrgicos da CGIL, a Confederação Geral Italiana do Trabalho), venceram por uma diferença pequena: 54,05%. Detalhe crucial: entre os operários, prevaleceu o “não”, enquanto os funcionários administrativos e os gerentes votaram em sua maioria pelo “sim”.
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Susanna Camusso, secretária-geral do maior sindicato da Itália, alerta para os riscos na decisão da Fiat
Para os que se opõem ao acordo, trata-se de uma brecha considerável no sistema de proteção dos direitos dos trabalhadores. Por sua vez, Marchionne assegura que a inovação aumentaria substancialmente os salários, podendo chegar ao patamar de países como a Alemanha.
Para alguns, o fechamento da Fiat em Turim seria um golpe forte demais para a cidade e para outros – solidários aos trabalhadores contrários à proposta – a mudança representa uma derrota para os sindicatos, em um contexto de crise econômica, pouco favorável aos trabalhadores.
Para debater o tema, Opera Mundi conversou com Susanna Camusso, secretária-geral da CGIL, eleita há poucos meses. O referendo foi a sua primeira grande batalha, por enquanto perdida. As vozes de Camusso e dos líderes da FIOM foram quase as únicas vozes a favor do “não”, já que a proposta de Marchionne recolheu o apoio da Confindustria (a Confederação Nacional das Indústrias), de todos os outros sindicatos, do primeiro-ministro Silvio Berlusconi e até de grupos dentro do PD (Partido Democrático), de centro-esquerda, hoje na oposição.
Os defensores do “não” conquistaram cerca de 46% dos votos. Qual foi o significado desse resultado?
Os apoiadores do “sim” ganharam por uma diferença mínima: 2.736 contra 2.326. O fator decisivo foi o voto dos 400 funcionários administrativos de Mirafiori, que votaram maciçamente “sim”. Reconhecemos a votação, mas devemos analisar bem a composição dos votantes, pois entre os operários a diferença foi de apenas nove votos. Entre esses votos, vindos das linhas de montagem, onde as condições de trabalho serão mais afetadas, o “não” prevaleceu. Isso significa que o voto é determinado pelas condições pessoais e que o projeto da Fiat não conseguiu o acordo dos trabalhadores entre aqueles que serão mais afetados.
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Marchionne disse que as condições para a Fiat operar são péssimas na Itália, enquanto em países como o Brasil – onde a montadora abriu recentemente uma fábrica – são vantajosas.
Se Marchionne se refere à falta de políticas industriais ou à falta de medidas para promover o crescimento da produtividade na Itália, podemos concordar. Mas se ele fala dos custos de trabalho da indústria automobilística, ele deveria tomar como referência outros países europeus, como França e Alemanha.
Como a senhora julga a postura do PD, principal partido da oposição? O prefeito de Florença, Matteo Renzi, considerado como um potencial líder do partido no futuro, apoiou abertamente Marchionne.
O que mais chama a atenção na oposição é a falta de ideias. Os políticos devem declarar qual é o projeto de país que eles têm e isso começa com os trabalhadores de Mirafiori. A posição da maioria dos partidos e do governo é sabida. Quanto ao PD, vejo que ainda não há uma unidade das muitas vozes no debate político. Eu faço um apelo aos políticos para que coloquem no mesmo plano tanto a voz do capital com a do trabalho, evitando uma leitura subalterna das relações de forças.
Como interpretar a decisão do primeiro-ministro Silvio Berlusconi de tomar partido a favor de Marchionne, em vez de desempenhar um papel de mediação?
Berlusconi, assim como o ministro do Trabalho, se recusou a desempenhar seu papel institucional. Ele se comportou como um torcedor, chegando a dizer que, em caso de vitória do “não”, Marchionne estaria certo em fechar Mirafiori e transferir a produção para outro país. Em qual outra nação um primeiro-ministro poderia dizer coisas assim?
Assim que o acordo for aplicado, de que forma a fábrica mudará? Marchionne afirmou que irá aumentar os salários.
O acordo afeta os direitos legais, como o direito a greve e as licenças médicas. Também exclui de qualquer representação na fábrica os sindicatos que não assinaram o acordo, ou seja, a Fiom. Isso tira dos trabalhadores o direito de eleger seus próprios representantes. Por todas essas razões, acho que não dá para aplicar o acordo do jeito que está. Temos um ano para encontrar uma solução.
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A intenção da Fiat é a de estender o novo contrato para as fábricas em Melfi e Cassino, sul da Itália. Qual será a estratégia dos sindicatos?
Sem um verdadeiro plano industrial, Marchionne parece determinado a prosseguir na mesma direção. Se ele propuser as mesmas condições de Mirafiori aos trabalhadores de Melfi e Cassino, veremos o que fazer. Espero, porém, que Marchionne tenha entendido o recado dos operários de Mirafiori e que pare. Além disso, a decisão da Fiat enfraquece também as outras organizações sindicais. Por isso, para evitar o risco de destruir o sistema de relações trabalhistas, apresentamos uma proposta sobre democracia e representação. Isto é, em poucas palavras, como validar os acordos entre os sindicatos e as organizações empresariais.
A senhora acredita que o modelo proposto por Marchionne pode ser adotado por outras empresas, contagiando o sistema econômico italiano?
O risco é real. Aliás, é assim que interpretamos a proposta apresentada pela Federmeccanica (Federação das Empresas Metalúrgicas) de deixar cada empresa escolher entre o contrato trabalhista nacional e um próprio. É preciso lembrar que a Fiat fez o que fez porque controla, de fato, toda a produção de automóveis na Itália. É isso que lhe dá força para determinar as relações trabalhistas, conforme suas próprias exigências. No entanto, precisamos lembrar que o contrato nacional protege os direitos dos trabalhadores, mas também é uma ferramenta indispensável para uma concorrência leal entre as empresas, para evitar práticas desleais entre elas.
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