Dez rapazes sentados conversam e fumam à luz de uma lamparina no porão. Bandeiras de grupos militantes (Hamas, Jihad Islâmica) tremulam lá fora, em meio às casas de concreto superlotadas do campo de refugiados de Jabaliya, em Gaza.
A área é um importante reduto das facções responsáveis pelos ataques com foguetes que motivaram a recente ofensiva de Israel contra Gaza. Seus jovens frustrados, na maioria desempregados, são alvos perfeitos do recrutamento realizado pelos militantes.
Mas enquanto os jovens de casaco na sala sem aquecimento conversam sobre a operação israelense de 22 dias, surge outro tema além da vingança: o desespero.
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Cerca de metade do grupo diz ter feito parte de grupos armados em algum momento. Outros dizem que agora querem participar. “Eu costumava ficar longe da atividade militar”, conta o estudante Ahmad al-Khateeb, de 21 anos. “Queria me formar e deixar o país. Às vezes, tinha medo da morte”.
Agora, impossibilitado de prestar exames porque seus documentos de identificação estão sob os escombros de sua casa, ele diz ter mudado de opinião “completamente”.
O estudante de ciências esportivas Mohammad al-Mukayed, de 22 anos, conta ter visto três crianças serem mortas num ataque aéreo quando brincavam na rua, a poucos metros de onde ele estava. “Elas viraram meros pedaços de carne. Quis ajudar, mas não pude. Sim, penso em ingressar em um grupo. Prefiro morrer defendendo minha terra a morrer como essas crianças, sem fazer nada”.
Hassan Abu al-Jeddian, 23 anos, diz que não se interessava pela militância antes da guerra e não mudou de opinião. Ele conta que seu primo teve a cabeça esmigalhada num ataque aéreo e que viu três garotos morrerem quando um carro foi atingido. Mas acrescenta, simplesmente: “Sou um civil”.
“Mortos-vivos”
Com o bloqueio israelense a Gaza, a maioria dos jovens está desempregada e não pode sair da populosa faixa de território. Israel intensificou o bloqueio quando o Hamas, considerado pelo Estado judeu um grupo terrorista, venceu as eleições de 2006 e consolidou o controle de Gaza pela força um ano depois.
Com poucas oportunidades de trabalho mesmo para quem pode estudar, muitos jovens sonham em emigrar. “Estamos mortos, ou pelas armas de Israel, ou como mortos-vivos”, diz Mahmoud Abuqammar, de 22 anos.
Rabah Mohanna, dirigente político da Frente Popular para a Libertação da Palestina, uma das menores facções militantes, diz que a organização registrou um aumento do número de voluntários para ataques a bomba suicidas desde o início do conflito. Muitos são jovens; a maioria perdeu parentes ou casas ou viu isso acontecer com outros, diz Mohanna.
No entanto, diante do poder de fogo esmagador utilizado por Israel, e com os palestinos fragilizados por profundas divisões internas, também existe a desilusão.
Jihad al-Ajramy, 24 anos, ainda traz no rosto uma cicatriz remanescente de seus dois anos de militância, que terminaram, conta ele, quando explodiu a guerra aberta entre o Hamas e a Fatah, ligada à Autoridade Palestina. A oficina onde ele trabalhava fechou quando as matérias-primas pararam de chegar por causa do bloqueio.
“Eu ganhava 200 shekels (US$ 50) por dia. Agora tenho de pedir até cigarros. Nenhuma dessas facções está me ajudando. Por que eu deveria me unir a elas?”, pergunta. “Durante a guerra, todo mundo pensava em luta, em vingança, em voltar à ação militar. Mas que luta? Luta contra os F-16 de Israel?”
Em busca de uma vida normal
Iyad Sarraj trabalha há 30 anos como psiquiatra em Gaza e realizou vários estudos. Ele diz que as crianças cujos pais foram privados de seus direitos muitas vezes adotam outras figuras de poder e autoridade – em última análise, os combatentes militantes, ou “mártires”.
Por isso, explica ele, os membros da geração que viu os pais espancados por soldados israelenses quando atiravam pedras na primeira Intifada palestina cresceram para se tornar os homens-bomba da segunda Intifada. Na última guerra, afirma Sarraj, “as crianças perderam o pai duas vezes”, uma vez como provedor, quando o bloqueio trouxe desemprego em massa, e outra como protetor.
“Não havia mais nenhum lugar seguro em Gaza, os pais eram impotentes”, diz o psiquiatra. Ele teme o estabelecimento de “uma nova geração ainda mais militante que as anteriores”.
E é especialmente difícil tratar com jovens traumatizados. “Eles têm essa identidade de árabe, macho, de homem forte. Expressar dor é uma fraqueza”.
Contudo, desde o início do conflito, Sarraj notou uma mudança no modo como os grupos militantes são vistos. “Algumas pessoas foram duramente atingidas e têm um forte desejo de vingança, mas acredito que cada vez mais pessoas entendem que a violência palestina só levará os israelenses a comportamentos mais brutais”.
Emad Ali Darweesh é diretor da organização juvenil Salve o Futuro dos Jovens. Ele sublinha que Gaza tem uma população jovem: 56% do 1,5 milhão de moradores tem menos de 18 anos. Mas Darweesh acredita que apenas uma pequena fração deles está interessada em atividades militantes.
Mesmo os moradores de Gaza revoltados com perdas pessoais optariam pela paz em última análise, afirma ele, citando pesquisas que mostram uma queda no apoio ao Hamas no rastro da guerra. “No início, eles se agitam e pedem vingança. Mas perdoarão o sangue de seus filhos se houver uma solução pacífica.”
Mahmoud Abuqammar diz que tudo o que ele realmente quer é “constituir uma família e viver como qualquer pessoa normal”. Hassan Abu al-Jeddian afirma que seu maior sonho é “casar”.
“Estamos com 24 anos. Não temos nenhum shekel para dar à família da garota com quem quisermos casar”, diz Jihad al-Ajramy. “Não enxergo nenhuma esperança, nenhum futuro. Quero que um terremoto acabe com este lugar”.
(Tradução: Alexandre Moschella)
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