Buenos Aires será o cenário de estreia da agenda internacional de Dilma Rousseff, que desembarca na Argentina nesta segunda-feira (31/1). O encontro deve definir como será encaminhado o relacionamento entre os dois países no período de coincidência de suas administrações.
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As expectativas acerca do evento são explicadas pelo simbolismo da escolha da Argentina, principal parceiro comercial brasileiro na região, como primeiro destino internacional de Dilma, o que reflete a importância do país na pauta de relações exteriores do novo governo. Outro aspecto ressaltado por alguns especialistas é o ineditismo de a relação passar a ser conduzida pelas primeiras mulheres democraticamente eleitas como chefes de Estado em ambos os países.
Agência Brasil
Dilma e Cristina: lideranças femininas nos dois principais países do Cone Sul
“O fato de que duas mulheres sejam as presidentes dos dois principais países da América Latina não é uma questão menor”, afirma ao Opera Mundi Dante Sica, economista argentino especializado em setores industriais. “As afinidades e os códigos femininos, que passam despercebidos pelos homens, podem atuar a favor da relação e do estreitamento de laços e impactar a compreensão das questões que virão”, acredita.
As opiniões quanto ao impacto do gênero das mandatárias na relação entre os países, no entanto, não são unânimes. Para Igor Fuser, professor e jornalista doutorado em Ciência Política na Universidade de São Paulo, a concomitância dos mandatos femininos em ambos os países trata-se de uma “coincidência absolutamente irrelevante”.
Em um artigo publicado no jornal argentino La Nación, o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, escreveu que, “em um mundo cheio de preconceitos e desigualdades”, ambos os povos “dão um exemplo de audácia ao colocar duas mulheres à frente de duas grandes nações sul-americanas”.
Na cerimônia em que assumiu o cargo de ministro, Patriota ressaltou sua honra em “servir à primeira mulher a presidir o Brasil” e concluiu que “a eleição de uma presidenta é um acontecimento de importância intrínseca: é mais uma expressão concreta dos ideais de justiça, equidade e democracia que nos unem a todos como cidadãos brasileiros”.
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Trajetórias Políticas
Tanto Cristina como Rousseff chegaram ao poder com o apoio de presidentes populares. Lula deixou o cargo com 87% de popularidade, enquanto Néstor Kirchner, marido de Cristina, morto recentemente, concluiu seu mandato com 55%. As duas ficaram conhecidas, cada uma a seu modo, como as mulheres por trás de “homens fortes” e, agora, encaram o desafio de provar suas capacidades de protagonismo nas gestões.
A fama de durona da presidente brasileira contrasta com vaidade com que Kirchner é normalmente retratada. “Para os próprios brasileiros, a Dilma é uma grande incógnita. Os comentários são de que ela é mais técnica, mais firme, mas temos que considerar que ela nunca teve no último nível de decisão. A grande questão é como ela se portará na última instância da hierarquia”, garante Sica.
Dilma é conhecida no Brasil pelo seu passado de militante. Aos 16 anos, começou as atividades políticas contra o regime ditatorial e, em 1970, foi presa e submetida à tortura. Ganhou destaque no cenário nacional com sua atuação no Ministério de Minas e Energia e, principalmente, quando assumiu a pasta da Casa Civil, após o afastamento de José Dirceu do cargo.
Em cargos políticos de deputada e senadora desde 1989, Cristina Kirchner não ocupou as primeiras fileiras do ativismo da Juventude Universitária Peronista contra a ditadura na Argentina, apesar de seu envolvimento com o movimento estudantil na Universidade Nacional de La Plata. Após o mandato de seu marido, iniciado em 2003, foi eleita no segundo turno, em 2007, com 46% dos votos válidos.
Em termos gerais, o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Carlos Eduardo Vidigal avalia que as presidentes “convergem em termos de concepções econômicas gerais e diretrizes de governo; se afastam quanto à base política de sustentação e ao estilo de governo”.
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Expectativas
Especialistas estão otimistas quanto ao futuro do relacionamento dos países comandados pelas duas mulheres. “Tudo indica que o governo Dilma continuará apoiando o desenvolvimento da aliança estratégica entre os dois países e isso tem claras implicações positivas tanto no plano econômico, como no político. É razoável prever uma relação cada vez mais intensa no futuro”, afirma o especialista argentino em integração econômica Félix Peña.
Ao prospectar a continuidade da integração entre os países, que se intensificou significativamente nos últimos anos, Sica complementa: “A afinidade certamente será mantida, porque agora, além das semelhanças ideológicas, há a sensibilidade feminina”.
Direitos Humanos
Durante a visita à Argentina, Dilma se reunirá com as Mães da Praça de Maio, que, desde o auge da repressão na ditadura cívico-militar no país (1976-1983), protestam por seus filhos desaparecidos e pelos Direitos Humanos. Segundo disse à Agência Brasil o assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, o encontro foi agendado a pedido da própria presidente.
“[Essa iniciativa da presidente] valoriza muito essa luta emblemática que essas senhoras têm na história política recente da Argentina”, disse ele, gerando a expectativa de que o mandato trará mudanças nas políticas de Direitos Humanos no Brasil, área em que a Argentina tem levado uma vantagem considerável, principalmente após o início da gestão Kirchner.
Enquanto no Brasil a Comissão Nacional da Verdade, para esclarecer violações de Direitos Humanos na ditadura ainda é um projeto de lei, a Argentina condenou, somente em 2010, 89 envolvidos em crimes durante o período de repressão, que deixou um saldo estimado de 30 mil mortos e desaparecidos.
O avanço do país se deve, em grande parte, pela anulação, em 2003, das “leis de impunidade” que dificultavam o julgamento de militares acusados, determinando que baixas patentes não poderiam ser julgadas e as ações penais contra os acusados de crimes no período fossem extintas.
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Resta saber se a administração brasileira prevê seguir os passos argentinos nos próximos anos. “O passado de resistência contra a ditadura de Dilma mostra um compromisso muito mais forte que o de Cristina. Mas as duas são militantes de quadros políticos, com diferentes características e com diferentes compromissos”, afirma Sica.
A política de Direitos Humanos dos governos Kirchner não se atém, no entanto, somente à justiça que ficou pendente desde o período de repressão. Outro avanço no país foi a aprovação, em julho de 2010, da lei do matrimônio igualitário, que permite a união civil de pessoas do mesmo sexo. A medida gerou contentamento nos ativistas e simpatizantes das organizações LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) do país.
Para Graciela Di Marco, diretora do Centro de Estudos sobre Democratização e Direitos Humanos da Universidade Nacional de San Martín, a luta argentina pelos Direitos Humanos não começou na era Kirchner. “O que mudou foi a leitura das demandas da sociedade sobre os direitos e sobre a política. Não se pode lutar por direitos buscando o consenso e a conciliação, como na década de Carlos Menem. A instalação da política como resolução negociada dos conflitos é importante”, afirma.
Segundo ela, a possibilidade de confronto com posições de instituições como as Forças Armadas, com a Igreja Católica e com a grande imprensa gera uma discussão importante na luta pelos Direitos Humanos. “Isso gera novas demandas de direitos, e é o que eu considero valioso desta administração”, garante.
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