As temperaturas abaixo de zero grau não impediram os milhares de manifestantes sul-coreanos de saírem às ruas neste sábado (07/12). Próximo à Assembleia Nacional, no distrito de Yeouido, em Seul, a população não apenas da capital, mas também de cidades da outra extremidade do país, como Busan, gritavam pela destituição imediata do presidente Yoon Suk Yeol, do Partido do Poder Popular (PPP), de extrema direita.
“Vá para a cadeia, Yoon Suk Yeol!”, repetia a multidão, antes da votação da abertura do processo de impeachment. Em recente pesquisa da agência Realmeter, divulgada nesta semana, de dez pessoas, sete definiam como urgente derrubar Yoon do poder após a decretação da lei marcial na última terça-feira (03/12), que restringia direitos e proibia atividades políticos no país, mostrando a tamanha impopularidade do mandatário sul-coreano.
As ruas, horas antes do início da sessão plenária para votar pelo impeachment – que acabou sem a queda de Yoon –, comprovaram isso: diferentess categorias, grupos e faixas etárias na luta por uma causa só.
Entre os manifestantes, chamava a atenção um homem que aparentava ter dificuldades para caminhar e observava atentamente jovens egurando cartazes e velas em protesto.
“Naquela noite em que o presidente Yoon anunciou a lei marcial, vi pela televisão os jovens saírem às ruas durante a noite gelada para tentar barrar o decreto. Isso me fez muito mal. Lembrei dos meus tempos universitários, de quando vivenciei os piores regimes ditatoriais”, contou ele a Opera Mundi.
Com 70 anos, o senhor não quis se identificar, revelou ter deficiências visual e auditiva. Ele também mancava, tendo a sua perna esquerda engessada. Mesmo assim, sentiu a necessidade de mostrar seu apoio nas ruas em prol de um “ponto final” na gestão do “maluco que está no poder”.
“Nasci e cresci na cidade de Gwangju. Vivenciei a ditadura do Park Chung Hee [presidente entre 1963-1979] nos meus tempos universitários. Durante aquele governo, tive que interromper os estudos para ir ao exército. Quando voltei, o tal de Chun Doo Hwan [ditador sul-coreano entre 1980 e 1988] havia tomado o poder”, recordou.
“Somente as pessoas ligadas à política estavam entendendo o que esse ditador estava planejando. Chun sabia que uma lei marcial, junto com a ajuda do comandante de segurança e o agente superior da Agência Central de Inteligência, seria capaz de fomentar um golpe de Estado. A situação gerada pela lei marcial desencadeou o massacre de 18 de maio, em Gwangju, onde eu morava. Passei por todas essas épocas, mas mesmo assim, continuei lutando”, contou, acrescentando que o mandato de Yoon também se configura como uma das “muitas histórias vergonhosas” que viveu na Coreia do Sul.
Segundo ele, a democracia sul-coreana passou a operar de maneira “mais firme” nos últimos anos, mas destacou que as decisões políticas tomadas pelo atual presidente de extrema direita representavam um retrocesso no país.
“Essa criança [presidente Yoon] fez essa palhaçada [decreto da lei marcial], e por isso os cidadãos mais atentos à situação fizeram o esforço de ir para a Assembleia e protestar pela suspensão disso. Não consigo expressar o quanto lamento que isso realmente tenha acontecido”, disse.
Enquanto a grande maioria dos manifestantes marchava segurando cartazes e faixas com bandeiras da Coreia do Sul, a jovem Kim Hyeon, de 24 anos, levava consigo uma bandeira da Palestina, defendendo outra pauta política. “A questão palestina tem tudo a ver com o fato de estarmos tentando proteger a democracia sul-coreana e os direitos humanos da população de uma ditadura militar”, disse a estudante da Universidade de Yonsei.
“Num momento em que as violações de direitos humanos não foram completamente suprimidas historicamente no país, decretar a lei marcial significa acabar com a nossa democracia, que é recente e que foi dificilmente conquistada. Como estudante, me sinto na obrigação de estar aqui lutando pela humanidade”, pontuou Hyeon.
Yoon escapa de impeachment após manobra do PPP
Apesar dos atos populares massivos, o Parlamento da Coreia do Sul rejeitou, neste sábado (07/12), o pedido de impeachment contra o presidente Yoon Suk Yeol, acusado de traição e ato inconstitucional devido a sua decisão de decretar lei marcial no país na última terça-feira (03/12).
O resultado decorreu após uma manobra da sigla governista Partido do Poder Popular (PPP), de extrema direita. Apenas 3 dos 108 deputados da legenda apareceram na Assembleia Nacional para a votação, que foi marcada na última quinta-feira (05/12). Dos três parlamentares do PPP presentes na sessão, dois votaram a favor da saída de Yoon do cargo e um contra.
Já da oposição compareceram os 192 deputados, que votaram a favor do impeachment de Yoon: 170 membros do Partido Democrata da Coreia, 12 do Partido da Inovação da Pátria, três do Partido da Nova Reforma, três do Partido Progressista, um do Partido da Renda Básica, um do Partido Social Democrata, e dois independentes.
No total, a Assembleia Nacional registrou 195 votos: 194 a favor do impeachment de Yoon e um contra, não alcançando os 200 votos necessários para aprovar a moção e retirar o mandatário do cargo.