Se não fosse pela data de publicação, o livro A Era da Ilusão (Editora Leya, 382 páginas, R$ 44,90), do egípcio Mohamed ElBaradei, não passaria de um relato pessoal sobre o trabalho desenvolvido como inspetor da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) da ONU até 2009. Originalmente programado para ser lançado em junho pela editora nos Estados Unidos, A Era da Ilusão saiu em abril desse ano, dois meses após a queda do ditador do Egito, Hosni Mubarak.
Divulgação
Não é para menos. Membro da oposição egípcia, ElBaradei viajou às pressas para o país natal assim que surgiram os primeiros sinais da derrubada de Mubarak. Nas ruas do Cairo, o diplomata, cuja vida profissional está diretamente ligada às principais crises nucleares internacionais dos últimos 27 anos, clamou pela mudança, apesar de viver no exterior desde jovem.
Elaborado antes da primavera árabe, o livro expõe os bastidores da política nuclear nos últimos anos, descrevendo conversas mantidas com figuras-chave desse período, como o ex-secretário de Estado dos EUA Colin Powell e o ex-chanceler britânico Jack Straw, passando por diálogos nas ruas de Pyongyang e Teerã. Os capítulos são divididos a partir das atividades da AIEA em países cujos programas nucleares causam ou causaram permanente polêmica, como Iraque, Irã, Coreia do Norte e Líbia. No entanto, pouco é falado dos projetos israelense, norte-americano ou francês.
ElBaradei se retrata como um incompreendido, alguém que por repetidas vezes alertou as principais figuras da geopolítica internacional para os riscos da questão nuclear, mas foi estrategicamente ignorado. O livro começa com uma descrição detalhada da “última ceia” entre membros do governo iraquiano e da AIEA em 2003, dentre eles ElBaradei e o sueco Hans Blix, na época diretor da agência. Cientes de que o Iraque não produzia armas de destruição em massa e sequer possuía um desenvolvido programa nuclear, como afirmava George W. Bush, os dois nada fizeram, a não ser brindar ao jantar servido dias antes do primeiro bombardeio a Bagdá.
No capítulo sobre a Líbia, país que recentemente se tornou o foco do noticiário internacional, há longas descrições sobre a personalidade do coronel Muamar Kadafi e suas excentricidades. De acordo com ElBaradei, Kadafi humildemente escutou seus conselhos sobre a não proliferação de armas nucleares, enquanto por debaixo do pano, Reino Unido e EUA investigavam a suposta venda de armas nucleares aos líbios. Furioso, ElBaradei descreve como se exaltou com Powell e Straw pelo telefone por não ter sido informado da movimentação. Mesmo sem dizer, fica evidente que o funcionário da ONU é depois enrolado pelo norte-americano e pelo britânico e nada acontece.
Leia mais:
Os militares e o futuro do Egito
El Baradei confirma que será candidato à presidência do Egito
Mais de 70% votam a favor de mudanças na Constituição em referendo no Egito
Disputa pela sucessão de Mubarak no Egito envolve dois nomes da oposição
Em campanha pela Presidência egípcia, El Baradei defende influência do Islã moderado
Com espaço livre para imprimir suas interpretações, ElBaradei constrói em A Era da Ilusão um chamado à não proliferação de armas nucleares, se posicionando na figura de testemunha ocular. Para ele, a diplomacia é o caminho certo, apesar de concluir que o mundo da política internacional não passa de espelhos e fumaça. Ao mesmo tempo, condena as ações das potências nucleares, chegando ao ponto de praticamente justificar o desejo de países periféricos em desenvolver seus programas por uma questão de simetria geopolítica. “O desejo do Irã não é o de se tornar uma Coréia do Norte, dona de armas, mas um pária na comunidade internacional. E sim de ser como o Brasil ou o Japão – este uma potência tecnológica capaz de desenvolver armas nucleares caso os ventos da política mudem de lado”, escreve ElBaradei.
No entanto, ao longo do livro, é possível concluir pelas palavras do próprio ElBaradei que, sem os países que detêm a bomba atômica, pouco poderá ser alterado no cenário nuclear internacional. A Era da Ilusão não apresenta soluções, mas as cartas e regras do intrigante jogo no qual o autor viveu por tantos anos. Resta saber se esse almanaque sobre a questão nuclear teria alguma influência no Egito pós-Mubarak.
Serviço:
Título: A Era da Ilusão
Autor: Mohamed ElBaradei
Editora: Leya
Nº de Páginas: 384
Preço: R$ 44,90
Siga o Opera Mundi no Twitter
Conheça nossa página no Facebook
NULL
NULL
NULL