Eleições do Parlamento Europeu começam em meio ao crescimento da extrema direita
Cidadãos dos 27 países que integram a União Europeia vão eleger 720 deputados; pleito vai até domingo (09/06)
A eleição para o Parlamento Europeu, que começou nesta quinta-feira (06/06) e decorre até domingo (09/06), definirá o futuro da Europa para os próximos cinco anos, assim como o rumo das políticas internas que serão aplicadas aos Estados-membros da União Europeia. Os cidadãos dos 27 países que integram o bloco vão eleger 720 deputados, 15 a mais do que nos pleitos anteriores.
Apesar de ser a única Assembleia multinacional do mundo eleita por um sufrágio direto, há um conjunto significativo de países europeus que não fazem parte do bloco. A distribuição entre parlamentares é feita conforme o número de habitantes de cada país. Portugal, por exemplo, conta com 21 representantes em Bruxelas. Já a Alemanha, o maior país da UE, com direito a 96 assentos, enquanto a França possui 81 cadeiras. Países como Chipre, Malta e Luxemburgo contam com seis lugares no plenário.
O pleito deste ano acontece em meio a um crescimento da extrema direita no Parlamento Europeu. A Opera Mundi o candidato às europeias pelo Partido Comunista Português (PCP) João Oliveira disse que o contexto em que essa possibilidade está colocada mostra que os setores extremistas e as forças neoliberais não se distinguem e convivem umas com as outras.
“Quando nós vemos a relação que têm as instituições da União Europeia com os governos da Itália e os demais que estão à extrema direita, identificamos o motivo. É que estes não põem em causa o rumo neoliberal e militarista da UE, e esses são dois dos aspectos decisivos relativamente ao caminho que tem sido feito e às perspectivas que estão colocadas”, elucidou Oliveira.
Segundo ele, em Portugal, há um combate sendo realizado pela Coligação Democrática Unitária (CDU) em apontar que o processo de integração capitalista europeu “não serve aos trabalhadores nem aos povos ou às pequenas e médias empresas”, já que não encontram nas políticas da União Europeia as “respostas para os seus problemas e para os seus anseios”.
Por sua vez, para o português José Gusmão, candidato ao Parlamento pelo Bloco de Esquerda (BE) português, há dúvidas de que a extrema direita cresça tanto como no caso das eleições legislativas de Portugal realizadas em março deste ano. Em relação à esquerda, ele afirmou haver uma tendência europeia de crescimento enquanto grupo político.
“Portugal é outro assunto. Portanto, não arriscaria grandes prognósticos, até porque as sondagens nacionais estão a dar toda espécie de valores”, disse a Opera Mundi.
Gusmão acredita que o problema não é, propriamente, um crescimento da extrema direita. O candidato do BE explicou que a situação consiste na existência de uma permeabilidade cada vez maior dos grupos políticos do centro, da direita, dos liberais e até dos socialistas em relação às posições extremistas, pois a “barreira” que havia antes e que impedia o avanço desses grupos políticos já não existe mais.
“O problema não é só a questão das migrações, é, por exemplo, a situação das alterações climáticas. A verdade é que, hoje, essa barreira diminuiu de duas formas diferentes: no relacionamento direto com essas forças políticas, mas também retrocedeu à medida em que ganharam certa influência e às suas posições entraram no mainstream da política europeia”, reiterou.

João Oliveira é candidato ao Parlamento Europeu pelo Partido Comunista Português (PCP)
Partidos neoliberais e extrema direita coincidem
Nesse sentido, para o mestre em Relações Internacionais e Estudos Europeus pela Universidade de Évora, Fábio Vianna, o que está acontecendo na Europa reflete a direita tradicional. Um exemplo citado por ele é o caso do Partido Progressista Espanhol, que se tornou, praticamente, uma legenda de extrema direita, inclusive levando em consideração a possibilidade de se aliar ao Vox.
“A direita tradicional europeia vem incorporando a agenda anti-migratória da extrema direita em um contexto no qual caminhamos para uma nova guerra europeia. Isso vem causando furor, tensão social e tende a alimentar ainda mais o ódio generalizado a imigrantes advindos de nacionalismos sectários históricos. Tudo isso força a direita tradicional a fazer um cálculo eleitoral e assumir o papel que normalmente seria dos fascistas, o que é lamentável”, explicou o especialista à reportagem.
Vianna recorda ainda que Portugal, por exemplo, foi obrigado pela União Europeia, durante anos, a cumprir um ajuste fiscal que impossibilitou o país de manter o funcionamento do estado de bem-estar social funcionando. Um exemplo mais antigo é relativo à crise de 2008, quando os países classificados como PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) descumpriram as regras fiscais leoninas impostas pela União Europeia.
“A Grécia, em particular, que foi punida por ter se rebelado internamente de maneira democrática (causando uma crise de legitimidade na própria União Europeia) fez com que a extrema direita ascendesse de alguns anos para cá. A esquerda portuguesa lembra disso até hoje, em particular o PCP e o Bloco de Esquerda. E agora isso se repete com o retorno do Partido Social Democrata (PSD) ao poder, emulando políticas da extrema direita. Essa memória vem à tona no período do Pedro Passos Coelho [ex-primeiro-ministro de Portugal] que foi quem implementou aquilo”, disse.
Um eventual cenário fora da zona do euro
Questionado sobre a possibilidade de estar fora da zona do euro, o candidato pelo Partido Comunista Português disse que a ideia de que levantar esse problema pode não dar votos, deve ser exatamente o oposto. De acordo com João Oliveira, é necessário considerar que há vários problemas que precisam ser enfrentados, e o euro é um deles.

José Gusmão é candidato português ao Parlamento Europeu pelo Bloco de Esquerda
O comunista enfatiza que o caminho fundamental é superá-lo, preparando o país com um conjunto de medidas de natureza econômica, política monetária, natureza fiscal, medidas do ponto de vista produtivo, particularmente em áreas que são críticas e estratégicas em matéria de soberania alimentar e energética.
“É absolutamente essencial que nós possamos desenvolver do ponto de vista industrial a nossa capacidade de produção em áreas como a dos medicamentos e de outros elementos essenciais para a vida nacional, de modo que o país possa deixar de usar o euro”, explicou ele, frisando ainda as notáveis restrições orçamentárias impostas pelo bloco econômico, que acarretam na impossibilidade de aumentar o investimento público e de ter esses serviços funcionando adequadamente em Portugal.
Apresentando uma outra perspectiva, Fábio Vianna considera que uma eventual saída da zona do euro é algo muito difícil de acontecer. O analista político recorda que em Portugal, ou até mesmo na Espanha, se vê placas de obras públicas financiadas pela União Europeia e essas empresas não são portuguesas e nem espanholas, mas, em geral, alemãs ou francesas.
“Esse financiamento da União Europeia aos países periféricos para que, em tese, se desenvolvam, no fundo favorece a indústria dos países mais fortes do bloco. Infelizmente, a saída de Portugal não traria nenhuma vantagem a princípio, a não ser que o país retomasse a grandeza do passado, que era uma grandeza baseada na espoliação das antigas colônias”, complementou.
A postura belicista da União Europeia
A recente movimentação do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, por um acordo de paz entre Ucrânia e Rússia também está na pauta dos candidatos ao Parlamento europeu.
Isso por que, João Oliveira identifica a questão da paz como decisiva, determinante e urgente. Mas não só nesta batalha eleitoral a ser travada, mas na batalha política em geral. Porém, ele compreende que a postura de Orbán deve ser enxergada como “mero oportunismo”.
“Nossa luta nessas eleições europeias é por um Portugal mais democrático, desenvolvido e soberano, em uma Europa de paz, de progresso social e de cooperação. A Ucrânia e o povo ucraniano estão a ser usados como carne para canhão em um confronto que mais do que entre a Rússia e a Ucrânia é um confronto entre a OTAN, os Estados Unidos e a Rússia. Um conflito que está neste momento a ser levado para escaladas que podem verdadeiramente significar uma tragédia ao continente europeu e, até mesmo, para todo o mundo, culminando em uma confrontação nuclear”, disse.
Para José Gusmão a ideia de que a Europa precisa se armar a fim de se proteger da Rússia é absurda e confirma uma tendência antiga dos governos de direita em Portugal a se comprometerem mais do que devem com a despesa militar. O bloquista salientou que uma coisa é o apoio direto à Ucrânia, que já tinha acontecido devido à intervenção dos Estados-membros. Outra coisa é passar a usar o orçamento militar para financiar uma indústria da guerra que pode ir para a Ucrânia ou para qualquer outro lugar.
“A Ucrânia é só um pretexto. E o que é mais difícil de perceber é o interesse de Portugal nessa política, que, a meu ver, não existe. Estamos simplesmente sendo levados, sobretudo pela direita, a reboque das instruções de Bruxelas para desviar recursos de políticas sociais e ambientais somente com intuito de promover uma corrida ao armamento”, enfatizou.

Cidadãos dos 27 países membros da União Europeia vão eleger 720 deputados para o Parlamento do bloco
O que é o Parlamento Europeu?
O Conselho da União Europeia, formado por representantes dos governos de 27 Estados-membros, é o responsável por decidir sobre assuntos de alta relevância. Juntamente com o Parlamento, eles atuam praticamente de maneira concomitante, dividindo o poder decisório dos temas mais relevantes para a União Europeia.
Já o Conselho Europeu é um encontro de primeiros-ministros que ocorre esporadicamente, onde os reais representantes eleitos dos países do bloco traçam diretrizes mais amplas a respeito das questões que depois serão esmiuçadas pelo Conselho da UE e pelo Parlamento Europeu. Fábio Vianna explicou a Opera Mundi que essa questão da divisão de tarefas é o que acaba afetando negativamente as nações com menos poder econômico, pois quem dá as cartas na União Europeia são os países mais ricos e com maior população.
“Nesse cenário, o Conselho da UE e o Parlamento atuam como legisladores das diretrizes colocadas pelo Conselho da Europa e quem assume a posição de poder executivo é a Comissão Europeia liderada, neste momento, por Ursula von der Leyen que, por assim, acaba sendo a principal representante dos interesses das grandes potências europeias, em particular a Alemanha. Não por acaso, ela é alemã”, disse.
