Após o primeiro turno das eleições legislativas antecipadas na França, chegou a hora do segundo e definitivo turno, no próximo fim de semana. Este início de semana, por conta de resultados “triangulares”, ficou marcado por estratégias políticas, alianças entre partidos e abandonos de candidaturas aos cargos de deputados por suas zonas eleitorais -(circunscrições). No final do primeiro turno da votação, na noite de domingo (30/06), 306 disputas foram validadas para o segundo turno com três candidatos. Na terça-feira (02/07), mais de 200 candidatos terceiros colocados anunciaram as desistências. O motivo? Concentrar os votos no candidato com mais “força” para barrar a extrema direita.
Na França, uma votação triangular ocorre quando, no final do primeiro turno, três candidatos conseguem acumular 12,5% dos votos dos eleitores registrados (existe um cálculo para determinar a validação de uma tripla disputa que inclui a porcentagem total de votos no total de número de inscritos na respectiva zona eleitoral e número de votos efetivos a partir dos eleitores que compareceram às urnas), e esses são, então, aptos a concorrer no segundo turno da eleição.
O alto comparecimento de 66,71% no primeiro turno, quase vinte pontos percentuais a mais do que em 2022, acabou favorecendo as disputas triangulares de segundo turno. Diante do Reunião Nacional (RN, de extrema direita) – designado como o oponente prioritário pela esquerda e pelo campo centrista do presidente Emmanuel Macron – os concorrentes precisaram se alinhar e negociar. No cardápio: instruções de votação ao eleitorado e estratégias de retirada de candidaturas.
A pulverização de votos na primeira rodada das legislativas gera este movimento que analistas franceses chamam de “2º turno triangular”. Para seguir na disputa, podendo chegar até, em alguns casos, a três candidatos possíveis por circunscrição (zona eleitoral). Alguns políticos já anunciaram a retirada de suas candidaturas para concentrar os votos no candidato com mais chances de vencer a extrema direita.
Assim que os primeiros resultados das eleições parlamentares francesas de 2024 foram anunciados, a questão das desistências para o segundo turno se tornou um dos temas mais debatidos na campanha. Costuma-se dizer que, no primeiro turno, você escolhe e, no segundo turno, você elimina. Logo após o primeiro turno, as principais figuras da esquerda deixaram claro que queriam bloquear o partido de Marine Le Pen, que foi diretamente reeleita no primeiro turno em sua zona eleitoral de Hénin-Beaumont, pois obteve mais de 50% dos votos válidos da circunscrição.
Extrema esquerda “ao lado” de Macron
Jean-Luc Mélenchon foi o primeiro a se manifestar. O líder do A França Insubmissa (LFI) – que na eleição presidencial de 2022 disse “nem um voto para Marine Le Pen” sem pedir um voto para o atual Emmanuel Macron – foi claro desta vez: os candidatos da coalizão de esquerda Nova Frente Popular qualificados para o segundo turno que estiverem em terceiro lugar atrás de um candidato da coalizão presidencial devem se retirarem em favor do candidato mais bem colocado. Isso é para evitar a eleição do candidato do RN, juntando-se assim à linha de seus parceiros ecologistas e socialistas.
Uma linha ligeiramente diferente da de Gabriel Attal. Em seu discurso, o primeiro-ministro, que está deixando o cargo, falou de retiradas em favor de candidatos das “forças republicanas”, sem mencionar uma exceção para o LFI. De acordo com um participante da reunião que ocorreu no domingo, 30 de junho, com Emmanuel Macron no Palácio do Eliseu, será feita uma análise caso a caso. Os distritos eleitorais foram analisados “um a um” e há apenas cerca de quinze onde a questão da retirada de um candidato do LFI será levantada. Isso ocorre nos cerca de 60 distritos eleitorais em que há eleições triangulares em que o candidato da Nova Frente Popular ficou em segundo lugar.
“Barragem republicana”
A barragem republicana não é mais tão atual. A perspectiva de o RN chegar ao poder é assustadora para a esquerda e para o campo de Emmanuel Macron. Ela é percebida e apresentada como um perigo para a França, mas não há mais a mesma mobilização de 2002, por exemplo, quando Jean-Marine Le Pen se classificou para o segundo turno da eleição presidencial. O processo de “higienização” já passou e as apostas políticas são diferentes.
Desde domingo à noite, houve algumas desistências significativas, como a do candidato de esquerda em favor da ex-primeira-ministra Elisabeth Borne, em Calvados. Na direção oposta, as ministras Sabrina Agresti-Roubache, em Marselha, e Marie Guévenoux, em Essonne, desistiram em favor dos candidatos da Nova Frente Popular. Mas também houve exceções às regras. Em Haute-Garonne, Dominique Faure, Ministro Delegado para Coletividades Territoriais e Ruralidade, decidiu permanecer na disputa para o segundo turno, apesar de ter ficado em terceiro lugar, atrás do Partido Socialista francês e do RN.
Inexplicável crescimento da extrema direita na América Latina
O RN aumentou de 2% dos votos para mais de 13% entre expatriados na América Latina e no Caribe (2ª circunscrição estrangeira). Marie-Nathalie Gonçalves do RN, a candidata filha de imigrante brasileira e pai imigrante português, alcançou exatos 13,28% dos votos, ficando em terceiro lugar, mesmo com fraca presença de campanha nas redes sociais, mas não se classificou para o próximo turno devido aos cálculos que definem a tripla concorrência.
Agora o duelo na 2ª circunscrição, para os cidadãos franceses que vivem fora da França, é entre a “Nova Frente Popular” e o “Juntos”. Segundo especialistas, o resultado é incerto. No entanto, apesar de ter saído na frente, o candidato que foi membro do Parlamento de 2012 a 2017, Sérgio Coronado, teria um conjunto menor de votos potenciais do que Eléonore Caroit. No entanto, uma eleição continua sendo uma eleição e, de agora até o próximo sábado (a votação nas zonas eleitorais estrangeiras ocorrerem em 6 de julho), não é possível definir o que farão os eleitores do RN na zona eleitoral da América Latina e Caribe.