A tentativa de golpe na Bolívia encabeçada pelo general Juan José Zúñiga nesta quarta-feira (26/06) não foi a primeira enfrentada pelo governo boliviano nos últimos anos. Em novembro de 2019, mobilizações golpistas de extrema direita forçaram a renúncia do então presidente Evo Morales. O movimento daquele ano teve como pano de fundo a disputa pelo lítio boliviano e declarações polêmicas do bilionário Elon Musk que causaram indignação.
O golpe contra Evo Morales começou logo depois das eleições presidenciais realizadas em outubro de 2019. O candidato opositor Carlos Mesa não aceitou o resultado que reelegeu Morales. O então presidente e seu vice, Álvaro García Linera, foram reeleitos com 2,8 milhões de votos e mais de dez pontos percentuais de diferença em relação ao segundo colocado, Carlos Mesa.
Mas setores mais radicais da oposição, ligados ao estado de Santa Cruz de la Sierra, queriam forçar a realização de um segundo turno. Outra parte da oposição pediu uma auditoria dos resultados, proposta aceita por Morales. Ele convidou então a Organização dos Estados Americanos (OEA), Paraguai, México, Espanha e as Nações Unidas para acompanharem o processo de revisão.
A tensão foi para as ruas e organizações políticas passaram a organizar atos violentos em várias partes do país. A capital La Paz foi palco de algumas das principais manifestações que deixaram 35 mortos em toda a Bolívia. Evo Morales renunciou e convocou novas eleições.
Depois do golpe, a ex-senadora Jeanine Añez autoproclamou sua presidência e começou ali um governo que durou de 12 de novembro de 2019 até 8 de novembro de 2020, quando Luis Arce foi eleito. Durante sua gestão, ela promulgou o Decreto Supremo (DS) 4078, para tornar imunes os membros das Forças Armadas, de forma que os autores dos massacres nos protestos não pudessem ser investigados, julgados e condenados.
O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro e outros mandatários de direita da América do Sul apoiaram o golpe na época. Mas três anos depois, em dezembro de 2023 , o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Bolívia condenou a ex-presidente Jeanine Añez a 10 anos de prisão pelo golpe.
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Elon Musk e disputa pelo lítio
Em uma publicação na sua rede social X (ex-Twitter), o bilionário dono da Tesla já havia avisado: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A mensagem foi uma resposta a um usuário que afirmava que Musk tentaria um golpe na Bolívia para controlar a extração de lítio no país.
A Bolívia tem a maior reserva do recurso no mundo. São cerca de 23 milhões de toneladas concentradas no sul do país. A região conhecida como salar do Uyuni forma um triângulo de grandes reservas com a Argentina – que tem 17 milhões de toneladas – e Chile – com outras 9,3 milhões de toneladas.
O lítio é um componente fundamental para a produção de baterias de alto rendimento para os carros elétricos. A montadora de Musk é uma das principais fabricantes destes veículos no mundo. O empreendedor boliviano Samuel Doria Medina chegou a pedir que a Tesla deveria “construir uma giga fábrica no Salar de Uyuni para fornecer baterias de lítio”, já que Bolsonaro e Musk estão discutindo a abertura de uma fábrica da Tesla no Brasil.
Doria Medina não é apenas um empresário. Ele foi candidato a vice-presidente ao lado da então presidente interina Jeanine Áñez para as eleições de 2020.
Os Estados Unidos tentam controlar a produção de lítio do país para evitar a concorrência de China e Rússia na região. Isso ficou ainda mais claro durante uma conferência da Câmara dos Representantes dos EUA em março de 2023. A chefe do Comando Sul, Laura Richardson, disse que o triângulo do lítio é tratado como uma questão de “segurança nacional sobre o nosso quintal dos fundos”.
Mas o governo boliviano tem adotado estratégias para manter o recurso sob produção estatal e fazer parcerias estratégicas com outros países que têm tecnologia para explorar o mineral. Foi criada a lei 928, que prioriza a soberania nacional na produção de lítio com a participação integral da estatal YLB em todas as etapas da produção. Além disso, implementou a tecnologia chamada pelo governo de Extração Direta de Lítio (EDL), que é menos poluente e gasta menos água para limpar o lítio bruto.
A relação entre o interesse dos EUA no minério e a tentativa de golpe na Bolívia nos últimos dias não está em primeiro plano, mas faz parte do contexto de um país que é observado de perto pelas grandes potências.
Tentativa frustrada
O general Juan José Zúñiga liderou uma tentativa de golpe nesta quarta-feira, que começou na praça Murillo, em frente ao palácio do governo. Ele reuniu outros militares e tentou entrar no edifício, mas foi abordado pelo próprio presidente Arce, que ordenou o recuo do general.
O chefe do Executivo boliviano trocou o alto comando das Forças Armadas e convocou organizações populares à praça para uma “vigília pela democracia”.
Zúñiga foi preso em frente à sede do Exército boliviano em La Paz e levado para a sede da Força Especial de Luta Contra o Crime (FELCC) para prestar esclarecimentos. O Ministério Público acusa o general de ter cometido “crimes de terrorismo e levante armado contra a segurança e a soberania do Estado”.