Escalada da violência e fantasma de Villavicencio assombram Equador no segundo turno
Pesquisas indicam empate técnico entre Luisa González (esquerda) e Daniel Noboa (direita); especialista considera que polarização da campanha torna resultado imprevisível
O Equador decidirá neste domingo (15/10) quem governará o país pelo restante do mandato de Guillermo Lasso, até maio de 2025, em meio a um cenário fortemente polarizado entre os dois candidatos em campanha e uma escalada de violência que causou a morte do candidato presidencial Fernando Villavicencio, além de atentados contra outras figuras políticas, de diferentes setores políticos.
Entre as duas candidaturas presentes nas cédulas de votação estará a de Luisa González, do partido de centro-esquerda Revolução Cidadã, setor político que é encabeçado pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017). No primeiro turno, em 20 de agosto, ela foi a mais votada, com 33,6%.
Seu antagonista de direita é o empresário Daniel Noboa, do partido ultraliberal Ação Democrática Nacional, que teve 23,5% dos votos na primeira fase da campanha.
Aquele resultado foi surpreendente, já que as pesquisas indicavam uma vitória de González com possibilidade de ser eleita ainda no primeiro turno, enquanto Noboa jamais apareceu entre os três primeiros em intenções de voto.
Porém tudo mudou 11 dias antes daquela primeira votação, em 9 de agosto, com o assassinato de Villavicencio. Muitos analistas consideram que aquele fato afetou negativamente a campanha de González, enquanto Noboa foi o maior beneficiado eleitoralmente.
A escalada da violência no país, que já era um tema importante na campanha, ganhou ainda mais força com a morte de um presidenciável, o que favoreceu a direita, não só pelo seu discurso de aumento da repressão como pelo uso de fake news que tentavam ligar os suspeitos pelo assassinato de Villavicencio com González e seu partido.
Ainda assim, segundo o jornalista Marco Piva, apresentador do programa Brasil Latino, na Rádio USP, e mestre pelo Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (USP), as pesquisas mostram um cenário polarizado.
“O que está em jogo nesta eleição é se a figura de Rafael Correa ainda tem a influência que teve no passado (a favor de González), ou se o efeito eleitoral pela morte de Villavicencio (que favoreceu Noboa) passou ou não”, comentou Piva.
Leia a íntegra da entrevista de Marco Piva sobre o que esperar do segundo turno das eleições equatorianas:
Opera Mundi: Em que cenário se realizará este segundo turno das eleições equatorianas, considerando as últimas pesquisas e a dinâmica social e política do país nestes dias prévios à votação?
Marco Piva: A polarização política, que tem base ideológica, é a marca do processo eleitoral de muitos países do continente e o Equador não foge à regra, especialmente depois de uma avassaladora operação judicial que procurou destruir a imagem do ex-presidente Rafael Correa, atualmente exilado na Bélgica.
A candidata Luisa Gonzalez, apoiada pelo “correísmo”, reúne condições políticas e gerenciais para assumir a presidência do país. Mas a questão não é e nunca foi sua capacidade administrativa. O que está em jogo é se a figura de Rafael Correa ainda tem a influência que teve no passado. As pesquisas indicam empate técnico neste segundo turno, mas ainda com uma boa margem de eleitores indecisos ou que simplesmente têm medo de expressar sua opinião abertamente. O jogo está indefinido e qualquer fato de última hora pode levar a vitória para um lado ou para outro.
O assassinato de Fernando Villavicencio ainda está causando efeitos na campanha eleitoral? Pode-se dizer que haverá influência dele neste segundo turno, como houve no primeiro?
A violência tem sido a marca registrada da vida cotidiana no Equador desde que os cartéis do tráfico passaram a usar o país como ponto de apoio para a exportação de drogas. Coincidentemente, esse aumento expressivo da violência tem favorecido o discurso da extrema-direita que, como é sabido, lança mão do proselitismo que prega o endurecimento da ação policial.
O assassinato de Fernando Villavicencio, cuja explicação se torna a cada dia mais distante – embora, possivelmente, com envolvimento de grupos traficantes –, teve reflexo direto na eleição, pois acabou encorpando a votação de Daniel Noboa. Este efeito pode ter passado, mas o assassinato dos suspeitos do crime, na própria penitenciária onde estavam presos, mostra que ainda persiste a possibilidade de um impacto eleitoral em favor do candidato da direita.
Reprodução/ @LuisaGonzalezEc
No primeiro turno, em 20 de agosto, Luisa González foi a mais votada, com 33,6%
Considerando que a candidata do Revolução Cidadã, Luisa González, venceu o primeiro turno com uma votação talvez abaixo do que se esperava, como você avalia a estratégia dela e de sua campanha no segundo turno?
O assassinato de Fernando Villavicencio foi o ponto de inversão de expectativas para a vitória da candidata Luisa González no primeiro turno. Apesar de uma boa votação em todos os departamentos do país, a distância relativamente pequena entre Luisa e Daniel alimentou a possibilidade de vitória da direita nesta segunda rodada eleitoral.
A estratégia adotada pela candidata do movimento Revolução Cidadã é a estratégia possível para o momento: mobilização e povo na rua. A articulação de forças ao centro permite um arranjo mais amplo para ela, assim como algumas divisões no interior da direita a favorecem. Mas, qualquer resultado é possível.
Após o primeiro turno, alguns analistas previram uma união dos diversos setores de direita e de centro contra a candidata do correísmo nesta segunda etapa da campanha. Isso realmente aconteceu a favor de Noboa?
Essa união não aconteceu da forma como foi prevista por alguns setores. E por qual motivo? O primeiro é que eleição não significa uma soma automática de votos. A morte de Villavicencio e toda sequência de fake news contra Rafael Correa foram usadas contra Luisa no primeiro turno e agora talvez isso não tenha mais o impacto que teve.
Creio que Noboa não conseguiu um arco de aliança mais sólido que permitisse a ele uma vantagem expressiva. As pesquisas, todas elas, indicam um cenário polarizado.
Como dimensionar a escalada de violência no Equador? É possível separar o crescimento nos últimos anos e a onda avassaladora que se vê durante estas eleições ou as duas coisas são parte do mesmo fenômeno? O que se pode esperar de um governo de González ou de Noboa com relação a como lidar com essa questão?
A segurança pública sempre foi uma pedra no sapato da esquerda. No Brasil também. A política pura e simples de defesa dos direitos humanos já não tem ressonância junto as populações periféricas, que são as principais vítimas da violência, embora mais do que nunca elas precisem do Estado para defendê-las. Os casos do Rio de Janeiro, Guarujá e Salvador são emblemáticos desse entranhamento dos grupos criminosos em territórios onde o Estado só atua com as armas nas mãos, produzindo vítimas inocentes em série e sem conseguir a solução do problema.
No Equador, a violência se tornou endêmica nas periferias das principais cidades do país, dominadas pelos cartéis. As pessoas têm medo de sair à noite e existem lugares proibidos. O assassinato dos suspeitos pela morte de Fernando Villavicencio indica uma cumplicidade das forças de segurança no sentido de impedir uma averiguação mais a fundo sobre o que houve. A formação às pressas de batalhões inteiros para um possível enfrentamento da violência veio sem qualquer planejamento dos últimos governos, o que só aprofundou a crise.
Não vejo como, numa eventual vitória de Luisa González, ela consiga, a curto prazo, superar esse dramático problema da população equatoriana. Ela será obrigada a se curvar, no início, a uma composição discursiva que leve em conta o apelo das periferias por um duro combate à violência, o que significa reforçar a ação policial, mesmo que as forças de segurança não sejam confiáveis. Em seguida, a médio prazo, deverá construir uma política pública que ataque dois graves problemas dos equatorianos: a desigualdade social e o desemprego.
Para Noboa, caso vença, será mais fácil administrar o discurso do endurecimento da ação policial. Mas, a médio prazo, sem qualquer projeto de superação da pobreza no horizonte, estará fadado a seguir o destino dos últimos presidentes que, à exceção de Rafael Correa, fracassaram rotundamente nessa área.
