A revisão da agenda econômica global para o ano de 2010 trouxe de volta ao foco as negociações sobre a Rodada de Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), que busca promover a liberalização do comércio mundial.
Passados oito anos desde o início das discussões em 2001, no Catar, não se consegue chegar a um consenso em duas questões chave: até que ponto os países em desenvolvimento devem abrir seus mercados para bens manufaturados e serviços, e em que extensão se dará a abertura dos países ricos aos produtos agrícolas exportados pelos pobres.
Alguns especialistas, entretanto, minimizam os problemas técnicos e atribuem a culpa pelo atual estancamento nas negociações aos Estados Unidos.
“A maior dificuldade da rodada é o fato de que os EUA estão muito centrados em problemas domésticos. Eles não têm conseguido dirigir atenção suficiente para esse assunto”, afirma o conselheiro do Brasil na missão da OMC em Genebra, Paulo Estivallet de Mesquita.
Protecionismo
Considerando o peso dos norte-americanos para a economia global – eles são os maiores consumidores de produtos importados do mundo – a participação ativa de Washington é crucial para o avanço da Rodada de Doha.
“Uma vez que os EUA derem indicação de que estão prontos para se dedicar a Doha, os problemas técnicos têm condições de ser resolvidos rapidamente”, afirma o ex-diretor adjunto da OMC, Miguel Rodriguez Mendonza, do ICTSD (Centro Internacional para Comércio de Desenvolvimento sustentável).
A transição de governo em Washington, no entanto, tem influenciado nas negociações da OMC. Historicamente, os democratas tendem a trabalhar com uma política mais voltada ao protecionismo, se comparados com os republicanos. O presidente norte-americano, Barack Obama, já avisou que não assinará Doha, se não houver uma maior abertura de mercado dos países emergentes.
Para o economista americano Peter Whitney, professor da Universidade de Denver, os norte-americanos sempre demonstraram boa vontade nas discussões. Ele acredita que a falta de interesse vem do outro lado do continente.
“Japão e Coréia do Sul são os mais protecionistas entre todos os países ricos. Ao contrário dos EUA, eles não estão dispostos a abrir seus mercados e não merecem espaço nas negociações sobre a Rodada de Doha”, declarou.
Entre as nações mais envolvidas nas negociações, como o Brasil, existe o temor de que os EUA exijam a renegociação completa do texto atual.
“Se tivermos que jogar fora tudo que foi negociado nos últimos anos, podemos esperar novamente um processo de pelo menos mais cinco anos. Essa possibilidade não é necessariamente a mais provável, mas é claramente possível”, declarou Mesquita.
Política de subsídios
A agricultura é considerada o principal tema dentro da Rodada de Doha. O texto, nos moldes que está, determina que os países ricos cortem os subsídios rurais em aproximadamente 80%. As tarifas para importação seriam reduzidas pela metade: 54%.
Com a política de subsídios, os países ricos compram parte de toda produção interna para que os agricultores não percam dinheiro e os preços sejam controlados. Nos países pobres, os agricultores precisam repassar o custo da produção ao consumidor final, o que provoca o encarecimento das mercadorias. Com produtos mais caros e as altas taxas de importação, os países em desenvolvimento não têm chances de competir em condições de igualdade no cenário internacional.
“Os subsídios à agricultura nos países desenvolvidos têm deprimido os preços internacionais e dificultado o desenvolvimento rural dos países em desenvolvimento. Para os países em desenvolvimento, essa liberalização agrícola é particularmente importante, dados o peso do setor e a possibilidade de seu desenvolvimento”, afirma o ministro Carlos Márcio Bicalho Cozendey, diretor do Departamento Econômico do Itamaraty.
Um estudo feito pela Carnegie Foundation, em 2009, aponta que a aprovação da Rodada de Doha resultaria em um aumento de 0,4% no PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil.
O instituto de pesquisas norte-americano prevê ganhos expressivos na agricultura, já que o país é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, mas estima perdas para os setores manufatureiros. Isso porque, para cortar as taxas na agricultura, os países desenvolvidos pedem mais acesso a mercado dos emergentes nos setores de bens e serviços, além de um corte de 54% nas taxas de importação de seus produtos industrializados.
A Rodada do Uruguai, antecessora de Doha, demorou 12 anos para ser aprovada. A OMC tenta acelerar as negociações, para que a Rodada de Doha não seja igualmente longa. Uma reunião para discutir a próxima etapa das conversas está marcada para o final de março. A expectativa é que desse encontro saia uma data oficial para o fechamento do acordo, ou de mais um fracasso.
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