A lei que concede anistia aos torturadores do regime militar uruguaio (1973-85) é inconstitucional, no entender do governo. O pronunciamento foi feito na última semana, a pedido da Suprema Corte, que pediu opiniões dos Poderes Executivo e Legislativo. O Parlamento deve se pronunciar na próxima quarta-feira. A decisão final caberá à Suprema Corte. O debate é acirrado no país.
A “Ley de caducidad de la pretensión punitiva del Estado” (Lei de caducidade da pretensão punitiva do Estado) estabelece que os militares responsáveis por violações aos direitos humanos durante a ditadura não podem ser julgados. Aprovada em 1986 e ratificada em 1989 mediante consulta popular, a lei é motivo de duros questionamentos ao governo uruguaio por parte de organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional.
Desde 2005, quando a Frente Ampla chegou ao poder com a eleição do presidente Tabaré Vázquez, o governo criou várias exceções, permitindo julgar e processar as maiores autoridades da ditadura. Entre elas, o comandante-em-chefe Gregório Alvarez.
A Suprema Corte fez o pedido porque está juntando elementos para se pronunciar sobre o pedido de inconstitucionalidade da lei, formulado pela promotora Mirtha Guianze em outubro de 2008. Ele pretende levar a julgamento os militares responsáveis pela morte da militante comunista Nibia Sabalsagaray em 1974, em unidades militares. Esse foi um dos casos amparados pela Lei de caducidade.
Promotora invoca princípio da igualdade
Guianze, que trabalhou como promotora no processo judicial contra Gregorio Álvarez, explicou ao Opera Mundi que seu pedido está baseado em argumentos defendidos em 1988 pelos ministros da Suprema Corte, que defenderam a inconstitucionalidade. Mas, na ocasião, a balança se inclinou a favor da constitucionalidade. Era um momento histórico peculiar, muito próximo do fim da ditadura, em que os militares detinham parte importante da máquina estatal.
Alguns argumentos utilizados pela promotora são que a Lei de caducidade viola o equilíbrio entre os Poderes, já que dá ao Executivo o poder de decidir quem pode ser julgado e quem não pode, e também o princípio da igualdade entre todos, já que os militares não são julgados como qualquer outro cidadão, além de violar tratados internacionais ratificados pelo Uruguai.
A posição do Poder Executivo não é vinculante para a Suprema Corte, que deverá decidir, por meio de votação, se considera a lei inconstitucional. A resolução judicial só terá efeito para o caso Sabalsagaray, já que os pedidos de inconstitucionalidade no Uruguai só têm efeito para quem os exige. Mas pode criar precedente para casos futuros.
No Legislativo, o tema é considerado mais complexo que outros debates sobre inconstitucionalidade. O vice-presidente da República e presidente da Assembléia Geral, Rodolfo Nin Novoa, enviou o caso ao departamento jurídico do Parlamento. “Recebemos habitualmente demandas de inconstitucionalidade e isso sempre passa pelos trâmites jurídicos”, explicou Novoa ao Opera Mundi, para depois reconhecer. “Este é um assunto diferente, mais complexo”.
A maioria da bancada governista considera que deveria convocar uma Assembléia Geral para discutir o tema, o que deve ser feito até quarta-feira, data em que vence o prazo para o pronunciamento.
Oposição acha que a hora é errada
Os partidos de oposição questionaram duramente o posicionamento do Executivo. Jorge Larrañaga, candidato com maior intenção de voto do Partido Nacional para as primárias presidenciais de junho, considera “uma gravíssima inconsequência e contradição”. O governo, segundo ele, devia ter resolvido o tema antes, e não em ano eleitoral. Ele argumenta ainda que a lei “já foi declarada constitucional” em 1988.
O ex-presidente Jorge Battle concordou com Larrañaga e disse ao diário Últimas Noticias que a Suprema Corte já se pronunciou sobre o tema e que o debate “é um passo atrás na paz que os uruguaios estão tentando alcançar”.
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