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Três ônibus queimados e uma nuvem de acusações cruzadas entre ministros do governo chileno e o movimento estudantil foram o saldo deixado pela marcha dos estudantes secundaristas, que seria realizada no centro de Santiago na última quarta-feira (08/08). A manifestação foi reprimida com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo pelo batalhão de forças especiais dos Carabineros (polícia militar), sob a alegação de que o ato não contava com a autorização das autoridades metropolitanas.
Enquanto policiais e estudantes secundaristas travavam uma batalha nos arredores da Praça Itália, tradicional ponto de início das marchas estudantis, uma enorme nuvem negra surgiu nos céus da capital chilena, proveniente da esquina da Rua Marín com a Avenida General Bustamante.
Os três ônibus da rede metropolitana de transporte público foram incendiados simultaneamente. Segundo a versão oficial dos Carabineros, o primeiro batalhão de policiais chegou ao local cerca de dez minutos após o começo do incêndio, que teria sido provocado por estudantes encapuzados.
A versão, porém, não conta com testemunhas, nem passageiros, nem condutores, nem transeuntes, além de nenhum detido entre os encapuzados. Um menor de idade, de 16 anos, foi detido na manhã seguinte, baseado em um vídeo divulgado pela polícia, publicado pelo site do jornal La Tercera.
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No final da tarde de quarta-feira, o porta-voz do governo, Andrés Chadwick, focalizou suas críticas à marcha na queima dos três ônibus, e instou os dirigentes estudantis a assumirem sua culpa no caso.
“Quando o movimento estudantil convoca a uma marcha ilegal e insiste em realizá-la apesar da ilegalidade, seus dirigentes não podem não podem esconder sua responsabilidade no caso disso terminar em vandalismo”, afirmou Chadwick.
O próprio presidente do Chile, Sebastián Piñera, em evento realizado na noite quarta-feira, disse ser “lamentável que algumas das chamadas lideranças sociais do país tentem defender e justificar esses atos realizados por delinquentes”, e também fez um apelo “para que a sociedade civil e os Carabineros se unam na luta contra os que querem destruir o patrimônio público de todos os chilenos”.
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Polícia militar chilena enfrenta estudantes na capital chilena.
Porém, nesta quinta-feira (09/08), o movimento estudantil respondeu às acusações do governo apresentando uma série de fotos recolhidas nas redes sociais de pessoas que presenciaram os confrontos do dia anterior. Segundo alguns líderes estudantis, a queima dos ônibus, principal argumento do governo contra os estudantes, é uma fraude.
Indícios apresentados pelos estudantes
Entre as diversas fotos com as quais os estudantes sustentam a tese de fraude estão duas que registram um furgão policial (patente 1163) que rondava as imediações levando quatro pneus e um cilindro de oxigênio. Encontrados posteriormente próximos dos veículos incendiados.
As fotos também registram outro momento considerado raro pelos dirigentes estudantis: além de impedir a realização da marcha, os policiais realizaram uma operação em frente à sede da Fech (Federação dos Estudantes da Universidade do Chile), cuja diretoria participaria do evento, mas não era parte da organização.
O ataque ao edifício também utilizou balas de borracha (uma das fotos mostra um estudante exibindo uma bala atirada pela polícia) e bombas de gás, apesar de os estudantes não estarem realizando nenhum ato público no interior do recinto.
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Os Carabineros na sede da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile.
O presidente da Fech, Gabriel Boric, principal representante da Confech (Confederação dos Estudantes do Chile), foi uma das primeiras vozes a levantar dúvidas a respeito do caso dos ônibus queimados e questionar a razão do ataque policial à sede da sua entidade.
“Os três ônibus estavam vazios, numa esquina onde normalmente não passa nenhuma linha de transporte público. Os três foram levados para o mesmo lugar e queimados simultaneamente, são muitas coincidências estranhas”, afirmou Boric.
Lei Hinzpeter
A hipótese de fraude, segundo líder estudantil, ganharia ares mais intrigantes pelo fato de que, na mesma tarde da quarta-feira, a Comissão de Segurança Pública aprovou o projeto da Lei de Fortalecimento da Ordem Pública, conhecida pelos estudantes como Lei Hinzpeter (em alusão ao ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, autor do projeto).
Ela é considerada por muitos líderes sociais chilenos como uma medida de criminalização do direito de expressão e livre manifestação. “É conveniente demais para o governo que, junto com as manchetes de aprovação da Lei Hinzpeter, apareçam fotos de ônibus queimados no centro da capital”, comentou Boric. Agora o projeto será votado na Câmara de Deputados e no Senado chileno.
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Carro da polícia com materiais que teriam sido utilizados na queima dos ônibus.
Boric também cita duas informações publicadas na manhã desta quinta-feira por diversas federações estudantis, através das redes sociais. A primeira é sobre uma informação checada no site do TranSantiago, o sistema público de transportes da capital chilena, mostrando que não há nenhum itinerário que passe pela esquina da Rua Marín com a Avenida General Bustamante, onde os ônibus foram queimados.
Alguns estudantes que vivem nas proximidades da esquina testemunharam dizendo que mesmo em dias de desvio de tráfego, como seria o caso do dia da marcha, as vias alternativas normalmente usadas pelos ônibus ficam pelo menos três quadras distantes do local onde ocorreu o incidente.
A outra informação diz respeito à patente de um dos ônibus queimados (ZN 5807), que, segundo uma consulta realizada à página de registro de veículos do sistema TranSantiago, corresponderia a um veículo com habilitação suspensa por excesso de infrações e não pagamento de multas. Além disso, o veículo corresponderia, segundo a mesma fonte, a uma linha que circula normalmente pelo bairro de Las Condes, distante do centro da cidade.
Outros testemunhos de estudantes também citaram o fato de que dois dos ônibus queimados, entre eles o de placa ZN 5807, eram modelos sanfonados de dois vagões. Esses ônibus vinham sendo abolidos pelo sistema público desde o ano passado, principalmente nos bairros mais cêntricos da capital chilena, por não poderem passar por debaixo de algumas pontes e por causar transtornos nas ruas mais estreitas. O envolvimento de dois deles no incidente é considerado um indício de fraude pelos estudantes.
A assessoria de imprensa da Confech afirmou que todas as provas reunidas serão apresentadas na cúpula estudantil, no próximo fim de semana, onde serão avaliadas as providências que serão tomadas, entre as quais estão as de levar representações formais a organismos de direitos humanos chilenos e estrangeiros.