O grupo terrorista espanhol ETA cumpre 50 anos hoje (31) e, para marcar a data, provocou mais ações violentas e mortes, como o fez na maioria de seus anos de existência. Apesar de não ter assumido os atentados, as autoridades espanholas já confirmam o ETA como autor dos ataques.
Em menos de 48 horas, dois atentados. Na quarta-feira (29), um furgão explodiu nos fundos de um quartel-residência da Guarda Civil da cidade de Burgos. Mais de sessenta pessoas ficaram feridas. Um dia depois, em Calvía, na ilha de Mallorca, um carro-bomba foi detonado também próximo a um quartel da Guarda Civil. Dois policiais morreram.
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O presidente José Luis Rodríguez Zapatero e o líder da oposição, Mariano Rajoy, viajaram até Mallorca para participar do velório dos dois guardas. Outros políticos e líderes também foram à cerimônia e condenaram os ataques. O líder do Partido Popular no País Basco, Antonio Basagoiti, lamentou que a bomba “não tenha explodido os próprios terroristas”. Já o porta-voz do Partido Socialista no Congresso, José Antonio Alonso, confirmou que a possibilidade de diálogo com o grupo é “zero”.
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Sem força
Segundo Rogelio Alonso, professor da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Rey Juan Carlos, os ataques dos últimos dias “não devem ocultar a debilidade do ETA, causada por uma eficaz pressão policial e judicial que diminuíram consideravelmente sua margem de atuação”.
Essa falta de estrutura e capacidade se explica, principalmente, pelas inúmeras ações dos governos espanhol e francês nos últimos anos, a prisão massiva de líderes, condenações mais firmes nos tribunais, a dificuldade de financiamento e também a perda de informação privilegiada e de respaldo político, que chegava através de partidários ao ETA.
Em entrevista ao Opera Mundi, o professor de Comunicação e especialista em Relações Internacionais e terrorismo, Alfonso Merlos, aponta mais um motivo para o enfraquecimento do ETA: a perda de ideologia, que tinha bases no marxismo e comunismo.
“Há 30 anos essa ideologia era trabalhada com seminários, leituras, debates. Hoje isso praticamente não existe. A juventude agora se dedica a consumir drogas e não fazer leituras e isso debilita o ETA e sua própria capacidade de convencimento para seguir a violência durante muito tempo ou abandonar a violência”, afirma.
Merlos concorda que o ETA está muito mais fraco, mas faz um alerta e diz que essa debilidade não pode ser associada com uma perda das intenções criminais do grupo, que continuam. Atentados com os dessa semana confirmam essa tese, mas, segundo o professor, são ações desesperadas que em outras condições os terroristas não fariam.
“Estes últimos fatos não caem sobre um vazio. Caem em uma data muito concreta, o aniversário de 50 anos do ETA. E é um aniversário que quer reforçar uma propaganda da organização. ETA está com os braços caídos e é isso que eles querem evitar, que se fale disso, que seja essa a análise que se faça, porque eles não podem baixar o moral de suas bases”.
A opinião é compartilhada por Rogelio Alonso, que afirma que “a propaganda terrorista é fundamental para manter adesões a uma causa criminal cuja relevância e apoio se reduziram até mínimos históricos. Uma realidade que os terroristas tentam encobrir com atentados como os desta quinta-feira”.
De fato, o grupo ainda tem capacidade para aterrorizar a população com novos ataques, mas sua força já é quase nula e é provável que nos próximos anos chegue ao fim. Em reportagem para o El País, o chefe de redação do jornal no país Basco, Emilio Alfaro, escreve que “o ETA vive um paradoxo: tem vontade e capacidade para seguir matando, mas nenhuma esperança de alcançar seus objetivos ou dar uma unidade política a sua trajetória criminal” e completa que “apesar de tudo, continua disposto a seguir sua determinação de aterrorizar, de se perpetuar causando dor em nome de um povo basco que não existe além da sua imaginação”.
Política e apoio popular
A chegada de um socialista à Presidência do governo Basco depois de 30 anos pode ser entendida como uma ameaça de novos atentados por parte do ETA. Nas últimas eleições em março, o Partido Socialista do governo (PSOE) venceu a disputa contra o Partido Nacionalista Basco (PNV).
Em alguns comunicados, o ETA afirmou que o governo atual, presidido por Patxi López, é ilegítimo, não tem créditos e atenta contra os interesses do povo basco. As acusações se devem ao fato de que o Partido Socialista, diferentemente de seu antecessor no poder, não comparte com as idéias separatistas do ETA de criação de um estado independente Basco.
O que se comprova no país Basco é um apoio crescente do socialismo, que é inversamente proporcional ao nacionalismo basco. Segundo Alfonso Merlos, o Partido Socialista tem algo que o PNV não tem: “a condenação direta, sem meio termo, do terrorismo, algo que não acontece com o PNV. O PNV não é partidário do cumprimento total das penas dos terroristas, não é a favor de retirar a ajuda às famílias dos etarras (membros do ETA) e defende o fechamento da Audiência Nacional, que é o principal tribunal espanhol contra os crimes de terrorismo. Esta posição branda e conivente que o PNV teve com o terrorismo o levou a uma pequena, mas constante perda de votos”.
Com relação ao apoio popular e o respaldo ao ETA, segundo Merlos, fica 10% e 15% da população. Um número pequeno, mas significativo, segundo o professor, graças às novas gerações de jovens que vão se incorporando ao ETA ou apoiando suas idéias. “Os jovens chegam aos 18 anos com direito ao voto e radicalizados. Não se organizam trabalhos de base no campo da educação para evitar que colégios, institutos e universidades eliminem a ideologia do ETA. Pelo contrário, essa ideologia permanece viva.
Futuro
Apesar de ainda contar com apoio de uma parte da população e conseguir se organizar para promover mais atentados, poucos são os que acreditam que o ETA sairá do isolamento e voltará a ter a força de antes. Alguns vão além e preveem seu fim, já que hoje a organização perdeu mão-de-obra, espaço político, financiamento e, principalmente, a força de convencer o povo basco, inclusive os que apóiam o ETA, que a violência é o meio para alcançar objetivos políticos.
Rogelio Alonso afirma que “com os atentados de ontem, o ETA tenta ocultar um horizonte de derrota que é muito real”. Já Alfonso Merlos acredita que o grupo sempre vai promover atentados contra forças de segurança do Estado, mas mesmo assim, vê o ETA “desaparecido ou atuando em níveis de violência que poderiam ser, inclusive, tolerável por um Estado de Direito”.
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