O Ministério da Defesa da Alemanha havia planejado na última semana que as Forças Armadas do país, conhecidas como Bundeswehr, reconhecessem soldados nazistas como “modelos” de conduta.
O porta-voz do Ministério defendeu a medida, na última terça-feira (13/08), utilizando critérios inconsistentes para identificar quais ex-combatentes da Wehrmacht (Força de Defesa), incluindo membros do partido nazista e oficiais fascistas da SS, deveriam contribuir para a “compreensão da tradição” dentro da Bundeswehr.
Essa decisão foi formalizada por meio do “Decreto de Tradição” do Exército, um documento oficial destinado a servir como “bússola moral” para as Forças Armadas.
Quando a Bundeswehr foi criada em 1955, na Alemanha Ocidental, aproximadamente 40 mil ex-oficiais e suboficiais da Wehrmacht nazista integravam seu núcleo, conforme informações da emissora digital Red Media. O porta-voz justificou parte dessa decisão citando o processo de “desnazificação” pós Segundo Guerra Mundial – ação essa, que, por sua vez, foi menos rigorosa e eficaz em comparação a de outros países.
A Red Media também relembrou que até mesmo nazistas de destaque na Wehrmacht, como o piloto de caça Erich Hartmann, responsável por matar ao menos 352 pessoas, foram autorizados a se reintegrar à Bundeswehr em 1956, desde que se distanciassem do regime nazista.
Após uma onda de críticas públicas, o Ministério da Defesa revogou as adições ao Decreto de Tradição das Forças Armadas. Segundo um porta-voz da pasta em Berlim, “um chefe de departamento fez referências que, em retrospecto, não se mostraram benéficas”, e ficou decidido retirar essas formulações sem substituí-las.
Segundo a revista alemã Der Spiegel, a inclusão dessas homenagens foi pensada para aumentar a moral das tropas em meio à guerra na Ucrânia, enfatizando a importância da prontidão militar. Para o Ministério, cultivar a tradição deveria ajudar a fortalecer a necessidade operacional e a disposição de combate da Bundeswehr.
Críticos da medida, ainda conforme a revista, consideraram essas homenagens uma reminiscência perturbadora da era da Wehrmacht na Alemanha contemporânea.
O decreto de tradição da Bundeswehr regulamenta a preservação de tradições dentro das Forças Armadas e visa fornecer diretrizes claras aos líderes, como o legado da Wehrmacht, por exemplo.
“De modo geral, o debate nos levou a reavaliar o texto e retirá-lo de circulação”, afirmou o porta-voz na quarta-feira (14/08).
A postura do ministro da Defesa, Boris Pistorius
Segundo a apuração da Der Spiegel, essa parte do documento foi elaborada pessoalmente por Boris Pistorius, ministro da Defesa, e distribuída amplamente entre as tropas alemãs e dentro da própria pasta ao longo da última segunda-feira (12/08).
No entanto, o Ministério só tomou conhecimento da natureza controversa do documento quando outro veículo alemão, o Tageszeitung, publicou uma reportagem sobre o assunto, o que desencadeou consultas adicionais à pasta por parte da imprensa.
Pistorius é o mesmo ministro que defende uma postura mais intensa da Alemanha no conflito entre Rússia e Ucrânia. Tendo assumidoo cargo em janeiro de 2023, ele afirmou, no final do ano passado, que “a Europa deve garantir que pode se defender melhor, uma vez que novas ameaças militares poderão surgir até o final da década”, conforme matéria da RFI.
Essa visão foi reiterada em uma sessão do Parlamento Alemão (Bundestag) há dois meses, quando Pistorius declarou: “precisamos [os alemães] estar prontos para a guerra até 2029”. “Em uma emergência, precisamos de homens e mulheres jovens que possam defender este país”, completou.
Em junho de 2024, Pistorius já havia se envolvido em outra polêmica ao propor a reintrodução do serviço militar obrigatório na Alemanha. De acordo com informações da Deutsche Welle, ele havia manifestado interesse em reintroduzir a medida, pelo menos parcialmente, para garantir um contingente mais “adequado”.
Posteriormente, recuou e afirmou que deveria existir “uma nova forma de serviço militar”, que “não pode ser totalmente livre de obrigações”, ou seja, não pode ser completamente voluntário.
Uma distinção mais clara da Wehrmacht
Em 2018, a então ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, que desde 2019 atua como presidente da Comissão Europeia, revisou o decreto para se concentrar na história do próprio Bundeswehr, o que resultou em uma maior distinção com a Wehrmacht.
O decreto anterior, de 1982, ainda afirmava: “as Forças Armadas foram em parte culpadas pelo nacional-socialismo, em parte foram abusadas sem culpa. Um regime de injustiça como o ‘Terceiro Reich’ não pode justificar a tradição”.
O novo decreto passou a afirmar que a Wehrmacht, em geral, não pode estabelecer uma tradição como instituição. “A Wehrmacht serviu ao regime nacional-socialista de injustiça e esteve envolvida de forma culpável em seus crimes, que são únicos na história em termos de extensão, horror e grau de organização estatal”.