Teve início no último fim de semana a sexta edição da Ruta Inka, como é chamada uma expedição organizada por comunidades andinas e que leva jovens estudantes da América Latina e outros países para conhecer sua cultura e história.
Os jovens que são recomendados por suas universidades com base no desempenho acadêmico e pagam 300 dólares para participarem de 40 dias de peregrinação por comunidades que integraram o Tahuantisuyu, o império Inca, que chegou a se estender do sul da Colômbia até o norte do Chile nos séculos 15 e 16.
Participantes da sexta edição da Ruta Inka
Fazem parte instituições como a Universidade de San Marcos no Peru, a Escola de Engenharia Militar da Bolívia, a Universidade Nacional de Loja no Equador e a Universidade de Sevilha.
“O mais importante é resgatar a auto-estima das comunidades indígenas andinas. Elas mesmas organizam rituais, danças, comida para mostrar sua cultura para esses jovens que vão divulgá-la no mundo todo”, conta Ruben la Torre, idealizador e coordenador do projeto, que já levou mais de 400 expedicionários à região.
Ruben, que trabalhou durante dez anos no serviço diplomático do Peru, teve a idéia quando deu apoio à Ruta Quetzal, uma iniciativa patrocinada pela Espanha que leva jovens europeus para conhecer o caminho inca entre Quito e Cuzco. “Não é a única rota inca, mas é a mais conhecida pelos conquistadores. Além disso, os indígenas apresentam danças típicas, mas participam mais como espectadores, não é um evento feito por eles”, diz La Torre.
Turismo não tradicional
A Ruta Inka surgiu como uma alternativa liderada pelas próprias comunidades, que voluntariamente se encarregam de hospedar os jovens e organizar os roteiros turísticos. “Apesar da falta de apoio dos governos, conseguimos fazer o verdadeiro turismo comunitário, onde se pode vivenciar o dia-a-dia. Assim as comunidades também se beneficiam do turismo, não somente as corporações estrangeiras”, diz La Torre, descendente de indígenas Quéchua.
Este ano, a Ruta partiu da cidade de Pasto, no sul da Colômbia, onde os participantes foram recebidos por autoridades locais e pela Fundação Corpoturnariño, além de estudantes voluntários que ajudaram a apresentar a cidade. As refeições foram providenciadas por uma empresária local e os viajantes ficaram hospedados no batalhão militar de Boyacá, junto com as Forças Armadas colombianas.
“Aqui acordamos com os soldados e comemos com eles, e podemos compartilhar com pessoas diferentes como elas vivem a sua cultura. É diferente do turismo tradicional, em que tudo é servido em um pacote”, diz o equatoriano Wilson Oveñas, de 28 anos, um dos 35 participantes de 11 países, entre eles Peru, Bolívia, Paraguai, Brasil, Reino Unido e Espanha.
A expedição conta sempre com a boa vontade dos moradores de áreas geralmente esquecidas pelo turismo tradicional. Ontem (6) o grupo visitou a Laguna de Telpis, no Parque Natural Nacional Galeras, acompanhados por moradores do município de Yacuanquer, de 10 mil habitantes, que durante o trajeto davam água, chá e contavam histórias sobre a região.
Típica dança andina
Foram duas horas de caminhada pesada sob chuva fina, em meio às montanhas que formam a Cordilheira dos Andes, até chegar a 3,6 mil metros de altura para se avistar o lago. Mesmo assim, os camponeses acompanharam todo o trajeto para compartilhar a maior atração do vilarejo. “A lagoa tem um espírito que é muito ciumento. Se ela está brava, a água fica toda mexida. E quando os visitantes fazem muito barulho ela chama chuva para afastá-los”, conta o camponês Jesus Omar Oban, que aprendeu essa história do seu bisavô.
Depois da empreitada, a prefeitura local ofereceu uma refeição com choclo – um milho claro, típico da região andina – habas, um tipo de feijão verde, e queijo caseiro, antes de fazer uma apresentação de danças locais.
Contando com ônibus disponibilizados pelos governos locais, a expedição vai passar por comunidades indígenas, vulcões, lagoas e reservas naturais no sul da Colômbia até chegarem à fronteira com o Equador. Dali seguirá para as cidades equatorianas de Carchi, Pichincha, Cotopaxi e Chimborazo até chegar ao maior sítio arqueológico do Equador, Ingapirca. No Equador, a Ruta Inka conta com o apoio da prefeitura de Cañar, um município de maioria indígena que se orgulha de ser herdeiro da civilização inca.
Transformação
“Essa viagem abre um ponto de vista diferente, muda a visão que nós temos dos povos daqui, e de como chegamos destruindo algumas culturas durante a colonização. A gente aprende mais sobre o ponto de vista do colonizado, porque na Espanha aprendemos a história do ponto de vista dos conquistadores”, diz a espanhola Alba Juárez Pizarro, de 18 anos.
Para a carioca Juliana Corrêa Brandão, de 20 anos, segunda brasileira a participar da Ruta Inka, a experiência é importante porque ajuda a ver a proximidade do nosso país com as culturas vizinhas. “Os brasileiros não têm muito interesse em conhecer os países que estão aqui perto porque não têm status, não são de primeiro mundo, preferem ir para a Europa ou Estados Unidos”.
Juliana, que pretende se tornar diplomata, conta que antes só havia visitado a Argentina com a família – para esquiar. “Era do hotel para a estação de esqui e de volta para o hotel. Não é como aqui, onde estou realmente conversando com as pessoas e vivendo como elas”, diz a estudante, que durante uma visita acabou sendo condecorada como “madrinha” da festa tradicional dos bebês feitos de pão em uma comunidade próxima a Pasto. “Eu nunca imaginei isso na vida”, brinca.
Juliana e os bebês de pão
*Texto e fotos
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