A cidade de Urumqi, capital da região de Xinjiang – noroeste da China – e palco de três dias de violência entre chineses de etnia han (lê-se ran), maioria no país (92% da população), e de etnia muçulmana uigur, despertou hoje (8) sem incidentes, mas em clima de tensão, após uma noite em que foi declarado toque de recolher e que teve minuciosa patrulha do Exército nas ruas. Segundo dados oficiais de 2007, os uigures são mais de 10 milhões, constituindo a maior minoria da região de Xinjiang – cerca de 50% da população.
Observe na marcação em vermelho a localização exata de Urumqi no mapa
Durante as 11 horas de proibição de civis nas ruas (21h às 8 horas locais – 10h-17h em Brasília|), ainda foi possível, segundo a agência EFE, escutar as patrulhas em formação, correndo e cantando marchas militares. Helicópteros do Exército de Libertação Popular (ELP) da China sobrevoam a cidade atingida pelos protestos, que ontem provocaram graves destruições no bairro uigur, arrasado por chineses da etnia han.
As autoridades declararam o toque de recolher em uma tentativa de conter a escalada de violência. Ontem (7), grupos de chineses da etnia han, armados com garrotes e cassetetes elétricos, marcharam pelas ruas com o objetivo declarado de linchar uigures, perante o que chamavam de passividade da polícia. Alguns deles disseram à EFE que não há outra saída que fazer justiça com as próprias mãos, já que “o governo não pode fazer nada contra os uigures, por medo da comunidade internacional”. Há informações sobre vários feridos e agressões em diversos pontos da cidade.
Polícia tenta conter chineses da etnia han – Oliver Weiken/EFE
Segundo eles, os uigures atacaram comércios dos han em dias anteriores e não são oriundos da cidade, mas procedentes de outras zonas da região de Xinjiang, como Kashgar e Yili, que, em anos anteriores, também registraram incidentes violentos.
Um grupo de chineses da etnia majoritária han tentou ontem entrar à força na mesquita de Hantengri, no centro de Urumqi, a fim de atacar uigures refugiados no local. A mesquita, próxima ao hotel onde estão hospedados os jornalistas estrangeiros que cobrem o conflito, estava isolada pelos soldados, mas alguns chineses han, armados com paus, tentaram entrar várias vezes no templo, sem sucesso. Os comércios do bairro, no centro da cidade, amanheceram hoje com vidros quebrados, instalações destruídas.
Início do conflito
A violência étnica começou no domingo (5), em um protesto pacífico no qual entre mil e três mil uigures pediam justiça, após um ataque a trabalhadores de sua etnia em uma fábrica da cidade de Shaoguan. O protesto terminou com enfrentamentos e um saldo de pelo menos 156 mortos, mais de mil feridos e 1,434 mil detidos.
Jovem uigur mostra ferimento provocado durante conflito com chineses da etnia han – Diego Azubel/EFE
O chefe do Partido Comunista chinês de Urumqi, Li Zhi, afirmou hoje que todos os responsáveis pelas mortes serão condenados a morte. “Aqueles que mataram brutalmente nos incidentes serão sentenciados à morte”, disse Li, em entrevista coletiva na cidade. Ele também afirmou que muitas pessoas acusadas de assassinato já foram presas e que a maioria são estudantes.
Hoje, alguns uigures se atreveram a sair às ruas e a falar com jornalistas. “Os distúrbios de domingo estavam orquestrados”, assegurou um dos moradores uigures do bairro, que declarou que sua etnia sempre viveu “pacificamente” na capital Urumqi e “não tem nada contra os chineses han”.
Os moradores disseram, no entanto, que a população uigur estava furiosa por o governo chinês ter ocultado o linchamento de uigures em 26 de junho em uma fábrica da província de Cantão (ao sul), incidente no qual morreram duas pessoas e que foi o estopim para a escalada de violência.
“Tivemos que saber pela internet”, lamentaram, justificando os protestos pacíficos de estudantes no domingo pedindo que Pequim contasse a verdade e castigasse os culpados.
Apesar das diferenças, uigures e chineses han concordam que o número de mortos em 5 de julho é muito superior ao divulgado pelo governo.
Imprensa detida
A EFE comprovou como as autoridades chinesas tentam limitar o trabalho da imprensa estrangeira, com detenções rápidas e revistando materiais. A coerção foi acompanhada por um grande bloqueio de informação. Desde a madrugada de hoje, a agência oficial Xinhua deixou de informar sobre o conflito étnico, e também não aparecem mais imagens de enfrentamentos na TV estatal.
Vários sites e blogs estrangeiros estão bloqueados em todo o país ou têm seu acesso limitado. O Facebook segue inacessível, da mesma forma que anteriormente foi feito com o YouTube e o Twitter. Vários jornalistas estrangeiros que se encontram na região de Xinjiang (noroeste) cobrindo o conflito entre chineses e uigures sofreram algum tipo de pressão das autoridades, e alguns foram detidos, denunciou hoje o Clube de Correspondentes Estrangeiros na China (FCCC) em Pequim.
Também foram denunciadas limitações aos repórteres para entrevistar habitantes da região em conflito, e retenções de jornalistas durante várias horas, assim como grandes dificuldades para ter acesso a telefones e internet.
A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também condenou o controle da informação que o governo chinês faz em Xinjiang, onde, ao contrário dos distúrbios do ano passado no Tibete, foi permitida a entrada da imprensa estrangeira.
Reações
A alta comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, Navi Pillay, se disse “alarmada” com “o alto número de mortes” durante os enfrentamentos na região autônoma de Xinjiang, e definiu o ocorrido como “tragédia maior”.
“Este [os 156 mortos oficiais] é um número muito alto de pessoas assassinadas em menos de um dia de distúrbios”, disse Pillay, que apelou aos líderes da etnia muçulmana uigur e às “autoridades han de todos os níveis a se conter e não estender a violência e a perda de vidas”. No comunicado, Pillay afirma que “as circunstâncias que fizeram com que tantas pessoas fossem assassinadas não são de todo claras”, mas ressalta que as tensões entre a etnia uigur e a han são antigas.
“Reconheço perfeitamente o direito das autoridades de manter a ordem”, disse Pillay, mas só devem usar a força “quando for estritamente inevitável e sempre para proteger a vida”. Além disso, a alta comissária de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) pediu bom tratamento para os detidos.
A alta comissária solicitou também uma investigação transparente e independente sobre o ocorrido no domingo, que estabeleça por que houve tantas vítimas.
O governo comunista da região autônoma de Xinjiang qualificou hoje os distúrbios dos últimos dias como “os piores desde a fundação da Nova China em 1949”. O chefe do governante Partido Comunista da China na cidade de Urumqi, Li Zhi, acusou os impulsores das revoltas, da etnia muçulmana uigur, de “danificar os interesses fundamentais dos grupos étnicos chineses”, em uma informação publicada pela agência oficial de notícias chinesa “Xinhua”.
Li assegurou que os detidos – 1.434 segundo os números oficiais – são acusados de agressões, homicídios, destruição e saques, embora tenha falado da possibilidade de que alguns deles sejam postos em liberdade caso demonstrem sua inocência.
O presidente da China, Hu Jintao, interrompeu sua reunião com o G8 devido à crise em seu país, como informa a agência de notícias oficial “Xinhua”. Perante a ausência de Hu, o conselheiro de Estado chinês Dai Bingguo será o encarregado de representar a China na Cúpula do Grupo dos Oito, que começa hoje na cidade italiana de L'Aquila.
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