Um segurança fardado acena para o motorista e ordena que pare o carro. Deseja checar os documentos dos visitantes. Estamos na entrada do Parque Zoobotânico de Carajás, no sul do Pará. Em tese, é uma propriedade estatal. Mas aqui quem manda é a mineradora Vale.
No coração do parque, está localizada uma das principais reservas de minério de ferro do planeta. “A maior do mundo”, asseguram os funcionários, antes de acrescentarem: “Quer dizer, a mais profunda”.
Este pedaço da Amazônia virou um império do minério. Caminhões amarelos fazem intermináveis viagens de ida e volta do fundo à superfície das diversas minas. Além do minério de ferro, são explorados também ouro, cobre, bauxita, níquel e potássio. Os recursos do subsolo amazônico parecem inesgotáveis.
Executivos da empresa e seus familiares dispõem de um clube esportivo, um cinema e até um aeroporto. Nem precisam se deslocar até Parauapebas, a cidade vizinha. Quando os mais curiosos o fazem, encontram uma cidade triste, com mais de 100 mil habitantes, quase todos pobres.
Com seis mil funcionários, a empresa é considerada uma entidade divina na região devido à sua magnitude. Mas nem todos obtêm a bênção. “O mito da Vale tem consequências assustadoras. Os pobres que vivem nos estados vizinhos acreditam que há trabalho aqui. Mais de 60 famílias chegam a cada semana e, claro, não encontram nada”, conta Darci José Lermen, o prefeito de Parauapebas. Os recém-chegados, em busca da sobrevivência, contribuem para a devastação da floresta desmatando grandes áreas.
“A Vale instalada no meio da Amazônia resulta no confronto de dois modelos. Por um lado, o capitalismo predatório, que não leva em conta o meio ambiente e os moradores locais. Por outro, as ancestrais tradições indígenas e o trabalho dos pequenos agricultores”, explicou Maria Raimunda, líder local do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Dificilmente os movimentos sociais são ouvidos por aqui. A Vale é o maior empregador da região e as autoridades sabem disso. Não somos contrários ao progresso, queremos um outro tipo de desenvolvimento, que respeite a natureza e a população local”, disse Maria Raimunda.
Este “outro desenvolvimento” está no centro dos debates do Fórum Social Mundial, em Belém, cerca de 800 quilômetros ao norte de Parauapebas. Na capital do estado do Pará, 120 mil representantes de 150 países estão reunidos desde ontem (28) empunhando a bandeira de que “um outro mundo é possível”.
Os acontecimentos dos últimos meses fizeram crescer neles a sensação de que não se trata de uma utopia, mas de algo inevitável: a crise econômica, desencadeada em setembro de 2008, expôs ao mundo os limites do capitalismo e do neoliberalismo, seus calcanhares de Aquiles.
Neste contexto, o retorno do Fórum à América do Sul não poderia ser mais oportuno. O “subcontinente”, desde o início da década, é o elo fraco do liberalismo. As dificuldades econômicas levaram às sucessivas eleições de Hugo Chávez na Venezuela, Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e Fernando Lugo no Paraguai. Estes, exceto a presidente argentina, encontraram-se hoje (29) em Belém para celebrar a união regional da esquerda sul-americana.
Mais do mesmo
Todos abriram mão do Fórum Econômico Mundial, que reúne em Davos, na Suíça, os donos de transnacionais e grandes banqueiros do mundo. Mas existe por trás dessa atitude uma proposta alternativa, uma saída para a crise que, a bem da verdade, já causa estragos na América do Sul?
“O problema é que não é comprovado que estes chefes de Estado oferecem uma real alternativa ao modelo econômico vigente”, diz Ariovaldo Umbelino, geógrafo da Universidade de São Paulo. “Na divisão internacional do trabalho, o Brasil e a maioria dos países da região continuam a se contentar com o status de fornecedores de matérias-primas, metais, alimentos ou energia para as potências tradicionais. Como a pressão para baixar os preços é constante, a maioria da população é condenada à pobreza”.
Para reduzir os efeitos da crise em suas economias, chefes de Estado latino-americanos têm lançado grandes planos de investimento de inspiração tipicamente keynesiana. No Brasil, é o papel do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento): construção de pontes, estradas, barragens, minas e plataformas petrolíferas. Na Amazônia, as populações locais receberam estes anúncios com pavor.
Emmanuel Wambergue, um agrônomo francês instalado no Brasil desde 1975, resume esse sentimento: “Quando cheguei na região, os militares estavam no poder. Agora, é a democracia. Mas, para todos os governos, a percepção da Amazônia não mudou. Interessam só a energia e as riquezas minerais”.
No campo, o governo claramente decidiu beneficiar o agronegócio, apresentado como a principal fonte de bens de exportação e, portanto, de empregos, divisas e receitas fiscais.
Na Venezuela, a economia depende exclusivamente do petróleo. Antes explorado somente para a riqueza de alguns, hoje a mesma estratégia econômica é usada em nome do povo. “A novidade é que vários governos de esquerda e os partidos políticos que os apóiam, como o PT (Partido dos Trabalhadores), estão convencidos de que ajudar os grandes grupos nacionais é o único caminho para o desenvolvimento” acrescenta Ariovaldo Umbelino.
Para compensar a desigualdade, eles montam sistemas de distribuição de renda, como o Bolsa Família no Brasil, o Plan Jefe y Jefa na Argentina, as missões na Venezuela. “Mas isso não constitui alternativa nenhuma ao modelo vigente”, conclui Umbelino.
Para o Fórum Social Mundial, o desafio é aproveitar a presença de grandes nomes como Lula e Chávez, sem deixá-los capitalizar todas as atenções. Os últimos anos provaram que eles mudaram a política, mas deixaram intactas as estruturas econômicas que tanto criticavam.
Vale se defende
Procurada para comentar as críticas, a Vale alegou ser a empresa que mais investe no Pará. Disse que ainda não dispõe de dados fechados de 2008, mas que no terceiro trimestre do ano, investiu US$ 1,453 bilhão no estado, um aumento de 49% em relação ao mesmo período de 2007. Afirma ainda que aplicou R$ 16,5 milhões em projetos sociais e ambientais em Parauapebas, que beneficiaram 25 mil pessoas.
Mais especificamente sobre a questão ambiental, a empresa diz que desde o início das operações na região, em 1984, conseguiu preservar 1,2 milhão de hectares de floresta nativa do chamado mosaico de Carajás, em parceria com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
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