O G20 se comprometeu a “cooperar” para taxar as grandes fortunas, mas não chegou a um acordo sobre a criação de um imposto global. Os ministros das Finanças das 20 maiores economias do mundo encerraram nesta sexta-feira (26/07) dois dias de reuniões no Rio de Janeiro.
A declaração final do encontro indica que, “respeitando plenamente a soberania fiscal”, os países “vão se esforçar para cooperar a fim de garantir que as pessoas super ricas sejam efetivamente tributadas”. O Brasil havia colocado a criação de uma tributação coordenada sobre as grandes fortunas como uma de suas prioridades na liderança do bloco, com o apoio de França, África do Sul, Espanha e União Africana.
Entretanto, nem a União Europeia, nem os Estados Unidos concordaram com a proposta. Antes da reunião, o governo da Alemanha disse que considerava a iniciativa “pouco pertinente”.
Os Estados Unidos rejeitaram a ideia de negociações internacionais sobre o tema, embora tenham defendido que cada país tenha um sistema tributário “justo e progressivo”.
“Somente o fato de ela constar em uma declaração do G20 é uma coisa que eu garanto que poucos aqui nesta sala imaginavam possível”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Do ponto de vista moral, é muita coisa as 20 nações mais ricas considerarem que temos um problema, que é a tributação ser progressiva sobre os pobres, e não sobre os ricos”, acrescentou, após a reunião.
A declaração final afirma que “as desigualdades de riqueza e renda prejudicam o crescimento econômico e a coesão social e agravam as vulnerabilidades sociais”. Também destaca a importância de “promover políticas fiscais eficazes, justas e progressivas”.
O texto cita o intercâmbio de boas práticas e a criação de mecanismos para combater a evasão fiscal como possíveis formas de colocar em prática a cooperação internacional, que deve ser discutida no Rio de Janeiro em novembro, durante a reunião de cúpula dos chefes de Estado e governo do G20.
Diretora do FMI celebra
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, elogiou a posição do G20: “a visão compartilhada dos ministros do grupo sobre a tributação progressiva é oportuna e bem-vinda, pois a necessidade de reconstruir reservas fiscais e, ao mesmo tempo, atender às necessidades sociais e de desenvolvimento envolve decisões difíceis em muitos países. Promover a justiça fiscal ajuda a garantir a aceitação social dessas decisões”, declarou.
O economista francês Gabriel Zucman, promotor da iniciativa e autor de um relatório sobre o tema a pedido do Brasil, comemorou que, “pela primeira vez na história, os países do G20 concordam em dizer que a forma como tributamos os bilionários precisa ser modificada”.
As desigualdades continuaram aumentando nos últimos anos, segundo estudo da ONG Oxfam: o 1% mais rico do mundo viu seu patrimônio crescer mais de US$ 40 trilhões (R$ 226 trilhões), mas sua tributação é “historicamente baixa”.
A declaração representa “um avanço global importante. Os bilionários finalmente estão ouvindo que não podem manipular o sistema tributário ou evitar pagar a sua parte”, ressaltou Susana Ruiz, chefe de política fiscal da ONG. “Na reunião de novembro, os líderes precisam ir mais longe”.
O americano Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de Economia, saudou que se discuta “seriamente o sistema de privilégios de um punhado de bilionários”, e afirmou que “é o momento de ir além”, pedindo que os chefes de Estado e governo avancem em normas mínimas coordenadas até novembro.
O Greenpeace também elogiou o que chamou de “apoio histórico” do G20 à iniciativa. “É um marco importante para o grupo reconhecer pela primeira vez a necessidade de tributar os super ricos e combater a injustiça e a desigualdade. É um sinal forte de mudança”, afirmou sua estrategista de campanhas, Marilia Monteiro Silva.
O Brasil e os Estados Unidos anunciaram, paralelamente às reuniões do G20, a assinatura de um novo compromisso de cooperação em matéria climática.
Três documentos
As divisões internacionais causadas pelas guerras na Ucrânia e Faixa de Gaza haviam impedido nos últimos encontros do bloco declarações finais conjuntas. Desta vez, três textos foram divulgados após a reunião: uma “declaração” específica sobre a cooperação internacional em matéria fiscal, um comunicado final sobre todos os temas discutidos e um comunicado que evoca separadamente as crises geopolíticas, assinado apenas pela presidência brasileira do bloco.
A divulgação de declarações conjuntas do G20 representa “uma vitória do Brasil e da comunidade internacional”, ressaltou Haddad. “A cooperação internacional é o antídoto contra a escalada de conflitos”.
No comunicado geral, os ministros saudaram o consenso entre os membros do G20 para a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, um mecanismo promovido pelo Brasil e que será lançado oficialmente na reunião de novembro. Também ressaltaram que é crucial enfrentar a crise climática e realizar “ações ambiciosas e eficazes” para combater esse desafio planetário.