As luzes amarelas se apagaram, e tudo indica que o semáforo que orientava a Alemanha foi desligado de vez na última quarta-feira (06/11), após o chanceler Olaf Scholz (SPD) demitir Christian Lindner (FDP), ministro das Finanças, o que foi seguido pela saída de mais três ministros liberais.
Trata-se do fim da Coalizão Semáforo, que unia o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), liderado por Scholz, o Partido Democrático Liberal (FDP), liderado por Lindner, e os Verdes. Essa junção vermelha-amarela-verde guiou o governo alemão desde o fim da era Merkel, após as eleições de 2021.
Jörg Kukies, um conselheiro próximo de Scholz e ex-secretário de Estado com experiência em questões econômicas, inclusive como gerente do Goldman Sachs, assumiu o cargo deixado por Lindner.
Se o tempo da união pareceu curto, é porque de fato foi, e os sinais de que essa coalizão não duraria já vinham se acumulando. Nesta sexta-feira (08/11), uma coluna na tradicional revista Der Spiegel clamava por eleições nacionais, afirmando que a coalizão terminou “como tem se apresentado há algum tempo: sem estilo e decência”.
O que aconteceu?
Na última quarta-feira, Scholz demitiu Lindner, provocando um terremoto político na maior economia da Europa. A demissão foi anunciada em uma coletiva de imprensa, após uma reunião entre o chanceler, o então chefe das Finanças e Robert Habeck, ministro da Economia que representava os interesses dos Verdes.
Na ocasião, Scholz afirmou que Lindner “não demonstrou disposição para implementar qualquer uma das nossas propostas”. A decisão do chanceler respingou nos responsáveis pelas pastas da Justiça, Transporte e Digitalização e Educação e Pesquisa. O ministro dos Transportes, Volker Wissing, anunciou, no entanto, que permaneceria no governo, mas deixaria o FDP.
O Der Spiegel argumentou que o fracasso da coalizão não foi causado por falta de pontos em comum, mas por “falta de bom senso”. Apesar das grandes diferenças entre os partidos, a publicação ressaltou que elas não eram, de fato, irreconciliáveis.
Em entrevista na quinta-feira (07/11), Scholz expressou uma visão diferente, afirmando que Lindner “quebrou sua confiança com muita frequência” e que ele “só está preocupado com a sobrevivência de curto prazo de seu próprio partido”.
Naquele mesmo dia, Lindner, agora na oposição, apareceu sem gravata em uma coletiva, adotando um tom informal, para declarar que pretende participar das próximas eleições federais, buscando reassumir o controle das finanças do país, mas colocando ainda que pretende apenas “ser um político da oposição durante um período de transição”.
Uma luz que pisca
Em entrevista à emissora alemã Zweites Deutsches Fernsehen, Lindner afirmou que sua demissão foi motivada por “divergências orçamentárias”. A Alemanha enfrenta uma crise industrial e uma das piores fases para a economia europeia, com projeções de que o PIB do país encolha neste ano.
“Foi uma ruptura planejada na coalizão”, declarou Lindner, explicando que se tivesse aceitado suspender o freio à dívida interna, teria permanecido no cargo.
Além das questões econômicas, circulam especulações de que Lindner teria vazado informações sobre uma nova opção eleitoral para o jornal Bild durante uma pausa nas negociações, irritando Scholz, o que teria sido a gota d’água para sua demissão.
O ex-ministro também declarou à ZDF que repetiu a sugestão durante a reunião de quarta-feira, sem consultar seu partido. “Essa foi minha sugestão quando ficou claro que não iríamos continuar juntos”, afirmou. Haveria um governo funcional até as eleições, que poderia ter aprovado as leis necessárias.
A saída de Lindner também está relacionada à exigência de uma resolução para ultrapassar o limite da dívida. Dos 12,5 bilhões de euros destinados a apoiar a Ucrânia — desde ajuda militar até a integração de refugiados na Alemanha — o governo sugeria que esses recursos fossem retirados do orçamento regular.
Eleições antecipadas, a minoria no Bundestag e o avanço do AfD
Com a dissolução da coalizão, o governo de Scholz perdeu a maioria no Bundestag, o Parlamento alemão. A campanha eleitoral se apresenta como um desafio para o SPD, que aparece com 15 a 16% nas pesquisas pré-eleitorais, conforme o Frankfurter Allgemeine Zeitung.
Mas também não está claro se o FDP conseguirá ultrapassar a barreira dos 5% para entrar no Parlamento. O partido está atualmente em torno de 3% nas pesquisas. Lindner afirmou que o partido está disposto a correr o risco “por uma questão de convicção”.
Agora, o SPD e os Verdes formam um governo minoritário. Embora possam concordar em muitas questões substanciais, não têm mais votos suficientes no Parlamento para aprovar leis.
Além disso, os Verdes foram apenas espectadores do embate final entre Scholz e Lindner, segundo a imprensa alemã. O chanceler apresentou uma proposta composta por diversas medidas de política econômica, mas não conseguiu manter a coalizão.
Enquanto isso, o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) tem mostrado força nas urnas, especialmente em estados da antiga Alemanha Oriental, como Saxônia e Turíngia.
Diante da ameaça, parte da imprensa alemã, incluindo o Der Spiegel, defende a antecipação das eleições para conter o crescimento da AfD. Isso, no entanto, é uma medida rara na Alemanha, que só realizou eleições antecipadas em três ocasiões: 1972, 1983 e 2005.
Ainda há o risco de que eleições antecipadas beneficiem a AfD, mas o Der Spiegel acredita que o partido “se beneficiou, acima de tudo, com a continuidade da coalizão semáforo”.
Segundo a Constituição alemã, a antecipação das eleições não pode ser decidida pelos membros do Bundestag ou pelo próprio chanceler. Existem duas maneiras de isso acontecer: se um candidato a chanceler não obtiver uma maioria parlamentar absoluta ou se o chanceler solicitar um voto de confiança e não conseguir a maioria. Nesse caso, ele pode pedir ao presidente que dissolva o Parlamento em até 21 dias.
Após a dissolução, novas eleições devem ser realizadas dentro de 60 dias.