As armas de fogo foram silenciadas e a paz parece ter retornado ao Sri Lanka, após a sangrenta guerra civil de mais de 20 anos entre o governo cingalês e a guerrilha rebelde Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (TLPT), ter finalmente acabado. Mas agora outra batalha se inicia. Grupos de direitos humanos demandam ao governo a libertação de médicos nativos que foram detidos pelo Exército cingalês por vazarem informações à mídia durante o conflito. Eles exigem que os médicos tenham acesso a procedimentos legais, como advogados.
Milhares de cingaleses celebram o fim da guerra civil na capital, Colombo – Fotos: M.A. Pushpa Kumara/EFE (22/05/2009)
Três médicos cingaleses que trabalhavam na zona de guerra por meses ajudando milhares de feridos foram aprisionados por militares por supostamente terem passado informações “falsas” a meios de comunicação, segundo um oficial do ministério da saúde do Sri Lanka. O governo proibiu a entrada de qualquer repórter na zona de conflito, afirmando que não pode garantir a segurança dos profissionais.
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Thurairaja Varatharajah, Thangamuttu Sathiyamoorthy e V. Shanmugarajah eram os únicos médicos que estavam operando no hospital, construído nas ruínas de uma escola dentro da zona neutra (onde milhares de feridos eram levados), nas últimas semanas de conflito. Eles foram acusados pelo governo de vazarem informações e números “errôneos” para a mídia local e internacional durante os dias finais da guerra. Acredita-se que eles estejam sendo interrogados pela polícia.
Os três trabalhadores da saúde teriam sido detidos pelo Exército quando escapavam da zona de guerra e os militares se preparavam para a batalha final contra os rebeldes tâmeis, na semana passada.
“Os três médicos estavam continuamente enviando informações questionáveis aos meios de comunicação sobre as condições de civis. Eles estavam atendendo pacientes e trabalhavam em turnos nos hospitais das zonas de guerra. Mas estamos avaliando quem os autorizou a enviar informações”, disse um oficial do Ministério da Saúde à mídia cingalesa na condição de anonimato.
Segundo um jornalista cingalês, que prefere ter sua identidade preservada, informou ao Opera Mundi, o governo usa da premissa de que um dos médicos não era realmente médico, para mantê-lo sob custódia.
Enquanto a guerra se aproximava do fim no norte do país, os médicos estavam em constante contato com a mídia, vazando informações sobre as condições avassaladoras do hospital, uma vez que a os jornalistas jamais tiveram acesso ao local, sobre a falta de funcionários da saúde em serviço e de medicamentos, a falta de comida, os milhares sem receber socorro, os mortos deitados no meio de civis feridos, a falta total de segurança na área do hospital.
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Um dos médicos que enviava emails com relatos e fotos ao Opera Mundi citava frases como:
“Não há mais comida”. “Temos graves preocupações sobre os civis feridos, não podemos salvá-los”. “O hospital está superlotado, não há mais condições de receber mais gente”. “Idosos e crianças estão morrendo sem receber atendimento porque temos que escolher quem está em situação pior na hora de operar”.
Jornais estrangeiros, como os britânicos The Observer e The Guardian, usavam informações e comentários dos médicos, além de fotos e vídeos enviados por um dos médicos sobre o massacre dos milhares de civis encurralados dentro da zona de conflito.
Mas para autoridades governamentais, os três médicos estavam ajudando os rebeldes com uma falsa propaganda do governo.
ONU
Para o escritório da ONU (Organização das Nações Unidas) no Sri Lanka, o desaparecimento dos médicos é preocupante e a segurança deles pode estar em risco. O porta-voz da ONU Gordon Weiss, disse que a organização está preocupada com o sumiço dos médicos. “Estamos tentando descobrir o paradeiro deles”.
Segundo o brasileiro que trabalha na ONU supervisionando os refugiados, Gerson Brandão, “eles (médicos) ainda estão presos e incomunicáveis”. Além disso, Brandão disse que a organização está preocupada “sobre como pessoas que heroicamente salvaram tantas vidas, mesmo trabalhando em um hospital improvisado tem o profissionalismo questionado”.
O Secretário-Geral, Ban Ki-moon, visitou o Sri Lanka neste final de semana e foi informado da situação dos médicos.
Luta “irrealista”
A guerra civil do Sri lanka, entre guerrilheiros da minoria étnica tâmil e o governo cingalês, é conhecida como uma das mais longas da Ásia, e deixou mais de 70 mil mortos e centenas de milhares de refugiados em mais de duas décadas.
Em entrevista ao Opera Mundi, o jornalista cingalês Wijiandra Rupasinghe disse que a luta pela separação do país nunca foi algo realista, pois superpotências como a Índia, jamais deixariam que isso acontecesse.
Mas para alguns tâmeis, como a tâmil-cingalesa Niromi de Soyza, que desde 1990 mora em Sydney, na Austrália (destino de mais de 30 mil tâmeis), o sonho com a independência de uma nação tâmil ainda vive. “A causa tâmil é geralmente associada aos Tigres, e não deveria ser”, disse ao jornal The Australian. “Violência e destruição não funcionam”.
Simpatizantes da guerrilha tâmil promovem protesto em Sydney, Austrália – Sergio Dionisio/EFE (23/05/2009)
* a repórter esteve recentemente no Sri Lanka
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