O presidente do México, Felipe Calderón, fez da guerra contra o narcotráfico o eixo principal de seu governo. No entanto, ele não levou em conta o forte impacto da crise econômica na sociedade mexicana, que empurra cada vez mais jovens desesperançosos em direção às atividades do tráfico. Dessa forma, se esvaem as possibilidades de conquistar militarmente essa batalha, conforme afirmou em entrevista ao Opera Mundi o jornalista Luis Navarro, encarregado da seção Opinião, do diário mexicano La Jornada.
O que o cartel La Familia representa hoje no México?
La Familia é um ramo dos Zetas (Cartel do Golfo), que opera principalmente em Michoacán, Gunajuato e no estado de México. Não é o cartel mais importante. Joaquín Guzmán Loera, “El Chapo” Guzmán, por exemplo, apareceu na lista da revista Forbes como um dos homens mais ricos do México. A agência antidroga dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) ofereceu recompensas substanciais para a captura de vários líderes dos Zetas.
A característica dos membros de La Familia é ter escolhido a Polícia Federal como alvo, porque são assediados por ela. Por isso, eles se queixam da pressão do governo, enquanto, segundo eles, alguns funcionários protegem outros cartéis.
Cerca de 11 mil pessoas morreram na guerra contra o narcotráfico lançada por Felipe Calderón no final de 2006. Apesar disso, o presidente não desiste do conflito militar. Como o senhor explica esta estratégia?
Felipe Calderón fez da luta contra as drogas o eixo central de seu governo. Ele percebeu que a luta contra o crime organizado poderia ser a fonte de uma legitimidade que as urnas negaram. A militarização da política deu-lhe as ferramentas para administrar o país com medidas de emergência. De certa maneira, a politização da segurança pública permitiu reconstruir a cadeia de comando-obediência.
É a mesma lógica do que aconteceu nos Estados Unidos: os atentados de 11 de Setembro permitiram que George W. Bush tentasse fazer da guerra o poder constituinte de uma nova ordem neoconservadora. Mas, no México, em vez de enviar tropas para o Iraque e o Afeganistão, o presidente espalhou os militares no território nacional.
Como a estratégia está sendo percebida pela população mexicana?
Dia após dia Felipe Calderón tem se apresentado à mídia como o comandante-em-chefe de uma grande cruzada nacional. A propaganda nacional fez dele o defensor das famílias mexicanas. As viagens pelo interior do país são organizadas em segredo e os eventos públicos são fechados por guardas do Estado Maior presidencial. As reclamações ou protestos contra ele são silenciados pela força pública.
No curto prazo, esta estratégia funcionou. Segundo as pesquisas, o presidente tem um nível de aceitação razoável, apesar do fato da popularidade estar caindo constantemente nos últimos meses. Com a militarização da política, ele também conseguiu limitar as violentas manifestações de descontentamento social que marcaram o ano de 2006.
Qual é o impacto da militarização da polícia e da política?
Em muitas cidades do país, as ruas estão ocupadas pelo Exército, que desempenha funções que normalmente não dependem dos militares. Tem construído barricadas, estabelecido toques de recolher e inspeções. Além disso, os militares ocuparam as delegacias de polícia. Em alguns locais, como Ciudad Juarez, no estado de Chihuahua, existe uma situação muito semelhante a de um estado de emergência, só que não foi decretado pelo Congresso. Aparentemente, é este modelo que o governo pensa impor em vários estados do Norte.
Nesse sentido, as primeiras vítimas da guerra em que vivemos são os direitos humanos. A transformação do contexto legal foi feita em detrimento deles. Na contagem macabra de decapitados e cadáveres insepultos, o público apenas discrimina os assassinatos de líderes sociais. A criminalização dos movimentos sociais está avançando a cada dia. Estas conseqüências da militarização da política não parecem preocupar Calderón.
Acho que ele não percebe que, com a crise econômica, a estagnação da produção interna, o desemprego crescente e o fechamento da válvula de escape da imigração para os Estados Unidos, a margem de manobra ficou muito reduzida. A única saída que ele vê é intensificar ainda mais a guerra.
Porque a violência se concentra dos estados do norte do país?
Porque fica ao lado da fronteira com os Estados Unidos, que é o ponto de passagem da droga. O maior número de assassinatos foi registrado no estado de Chihuahua. De fato, a maioria dos cartéis nasceu nas principais rotas do tráfico. Estamos falando de tropas inteiras dedicadas a este negócio, que gera cerca de 25 bilhões de dólares no México.
De acordo com dados do Departamento de Estado dos Estados Unidos, cerca de 420 mil pessoas estão envolvidas em atividades relacionadas com a droga, com 150 mil delas armadas.
Segundo os especialistas, a violência é o resultado das lutas entre os cartéis para controlar os pontos de passagem e os mercados. É acirrada pela decisão do governo federal de combater alguns cartéis sem tocar os outros. Por exemplo, há poucos dias, um dos líderes de La Familia declarou em uma entrevista na televisão que Genaro García Luna apoiava outros cartéis. O Cartel do Golfo insiste em denunciar que Garcia Luna favorece Chapo Guzmán, o chefe do Cartel do Golfo. Os membros dos cartéis dizem também que a violência aumentou porque o governo começou a atacar as crianças e as famílias dos traficantes.
No final de maio, vários funcionários do estado de Michoacán foram presos, acusados de estar ligados ao narcotráfico. Qual é o tamanho da corrupção no México?
As ligações entre os traficantes de drogas e os políticos são muito antigas. Tão antigas como a semeadura de droga e o tráfico no México. Também é o caso da penetração do Exército pelas gangues. Um dos episódios mais famosos foi o do General Gutierrez Rebollo (que era o czar da droga no México), que ficou preso por causa de suas ligações com o tráfico de drogas.
É importante ressaltar que não existe nenhuma diferença entre os partidos políticos. O deputado de esquerda Julio César Godoy é acusado, mas ainda não foi julgado. Em compensação, uma das regiões onde a droga é mais presente é a Baixa Califórnia, um estado governado pelo PAN (Partido Ação Nacional), o partido do presidente, por muitos anos.
Qual é o peso dos Estados Unidos na escolha desta estratégia militar?
Existem dois discursos nos Estados Unidos sobre o México. No primeiro, Felipe Calderón é o “Elliot Ness” mexicano, o amigo e aliado na guerra contra as drogas. No segundo, que está apenas começando a aparecer, o Exército mexicano é uma fonte constante de violações dos direitos humanos. Além disso, estão preocupados pela possibilidade de a violência se alastrar pela fronteira e chegar aos Estados Unidos.
Washington tem deslocado sua própria luta contra a droga para o território mexicano, e isso com o apoio do governo Calderón. Eles são os maiores consumidores de drogas do mundo. É também nos Estados Unidos que está organizada a lavagem do dinheiro gerado pelo tráfico. A “Iniciativa Mérida” é uma maneira de terceirizar sua guerra contra as drogas. Neste contexto, vários funcionários da administração Obama (e membros do Congresso que têm uma agenda própria) negociam vários assuntos políticos com o governo mexicano, usando a questão das drogas.
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