A transformação nas atividades criminosas na Itália, que fez a máfia se envolver com a coleta de lixo e até o tráfico de seres humanos, além de uma possível participação na atual reconstrução da região de Abruzzo, acompanhou os tempos, graças à globalização e à facilidade nas transações criminais em muitas áreas do mundo. A economia ficou mais complexa e não é possível delimitar os âmbitos e os negócios dessas organizações, segundo a professora Alessandra Dino, titular da cadeira de Sociologia Jurídica na Universidade dos Estudos de Palermo.
Mas “essa evolução”, destaca a professora, “não seria possível sem a colaboração de profissionais, consultores, representantes da política e das instituições, com condições de reciclar, reinvestir e ocultar riquezas provenientes de negócios ilegais, transformando-os em nova riqueza e novo poder”.
Por esse motivo, torna-se cada vez mais difícil identificar o que é “máfia” ou não. A professora esclarece que as associações desse tipo não têm mais uma identidade específica, transformaram-se e adequaram-se aos novos tempos: hoje, um mafioso desempenha qualquer profissão.
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Ela conta um caso que teve como protagonista um ex-cirurgião do Hospital Cívico de Palermo, Giuseppe Guttadauro, preso em 2002 por liderar uma facção da máfia siciliana que fazia parte de uma trama de interesses econômicos e políticos. “Seu caso é o exemplo de um perfeito network mafioso”.
Aproveitando-se de sua posição de “homem de honra”, pelas atividades como médico e boas relações, o “dottore” conquistou ampla aceitação social, que desfrutava em todo o território siciliano.
Em épocas eleitorais, era capaz de orientar votos e seu apoio era disputado. Discutia com os candidatos a possibilidade de fazer lobby no Parlamento, em Roma, para obter a anulação da pena de prisão perpétua e do regime de prisão reservada para mafiosos. Também contava com o apoio de jornalistas tidos como “interlocutores confiáveis”.
Infiltração
Suas relações privilegiadas produziram uma série de consequências: ele escolhia e administrava as pessoas que trabalhavam no setor da saúde regional, facilitava a infiltração nas estruturas administrativas de pessoas de sua confiança e tinha o controle dos fluxos ilícitos das contas públicas.
Isso mostra como “é difícil individualizar um único canal econômico no qual age a criminalidade organizada”, insiste em lembrar Alessandra Dino.
O último relatório do DIA (Direção Investigativa Antimáfia), referente ao primeiro semestre de 2008, assinala que grupos do crime organizado “têm métodos de infiltração nas esferas sociais e econômicas, com particular referência na reciclagem de ganhos delituosos, diversificação, em vários espectros ilícitos, primários e secundários, especialmente em setores de alta lucratividade”.
Recentemente, verificarem-se indícios de infiltrações mafiosas até na implantação das centrais eólicas, na Sicília, um setor da energia renovável que tem recebido grande investimento na Europa.
“É esse o desafio e a dificuldade dos magistrados: prever e entender o âmbito no qual a máfia vai desenvolver os seus interesses hoje”, frisa a especialista.
As investigações da Direção Antimáfia de Palermo, no setor eólico, ainda estão na fase inicial. Mas os magistrados acreditam ter identificado um acordo existente entre empreendedores, políticos, administradores públicos e mafiosos. Esse acordo teria o objetivo de controlar as atividades econômicas, a construção civil e serviços públicos na produção da energia elétrica, por meio dos projetos eólicos, e também com favores eleitorais.
“Esse fato não surpreende”, afirma a especialista. “Se as acusações forem provadas através dos processos, vai se confirmar, mais uma vez, a tese de que as organizações mafiosas não se limitam mais a corromper funcionários públicos e políticos”, diz. “Mas que ambicionam pilotar os investimentos mais delicados e inovadores dos estados e da comunidade internacional: do petróleo às energias renováveis e alternativas”.
No caso do Abruzzo, o procurador-geral antimáfia da Itália, Piero Grasso, propôs a formação de uma “força especial” para monitorar de perto os 12 bilhões de euros que serão gastos na reconstrução da região. Também sugeriu criar uma “lista de empresas limpas” para impedir que a máfia italiana coloque as mãos nos investimentos públicos. Quatro magistrados já estão encarregados de desenvolver um “trabalho preventivo” de investigação sobre eventuais infiltrações mafiosas.
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