Billie Holiday é um marco na história da música. Sua voz triste e interpretações pungentes de grandes clássicos do blues e do jazz a transformaram num ícone e numa estrela de primeira grandeza. Mais do que simplesmente ter talento, ela parecia conseguir colocar toda a dor de sua difícil vida em cada música que cantava e isso a tornou especial.
Nascida em 07 de abril de 1915 em Baltimore, nos Estados Unidos, como Eleanora Fagan, era filha de um casal muito jovem (seu pai tinha 18 anos e sua mãe 14 quando ela nasceu). Abandonada pelo pai, Billie viveu diversas agruras na infância, como ter sido violentada por um vizinho aos 10 anos de idade e, por causa disso, ter sido mandada para um instituto correcional. Aos 14, ela e a mãe mudaram-se para Nova York, onde para conseguir dinheiro a garota caiu na prostituição.
Leia também:
Michael Jackson e o confuso luto pelo patinho feio
Adotando o nome de Billie Holiday (Billie em homenagem à atriz Billie Dove, que admirava, e Holiday, que era o sobrenome do pai) e inspirada por discos de Bessie Smith e Louis Armstrong, começou a cantar em bares do bairro do Harlem a partir de 1930. Reza a lenda que em uma de suas primeiras aparições, cantando Travellin' Alone, fez a plateia de um boteco ir às lágrimas. Pulando de bar em bar por três anos, acabou sendo descoberta pelo caçador de talentos John Hammond que a colocou para cantar na famosíssima e consagrada orquestra de Benny Goodman. Foi nela que fez sua estreia nos estúdios gravando duas musicas: Your Mother's Son-In-Law e Riffin' the Scotch. A partir de 1935, Holiday passou a ter uma parceria bem-sucedida com o pianista Teddy Wilson e em pouco tempo já se apresentava como artista principal.
Quando Wilson assinou um contrato com a Brunswick Records, onde deveriam transformar músicas populares em grandes swings, os dois se viram com a oportunidade e liberdade de desenvolver seus próprios estilos e o método de Holiday de adaptar a melodia à emoção é considerado hoje revolucionário. Além disso, já nessa época ela escrevia suas próprias canções e clássicos, como Billie's Blues, Tell Me More (And Then Some) e Long Gone Blues, que entraram para o cancioneiro jazzístico americano.
Entre os músicos que a acompanhavam na época estava o saxofonista Lester Young, amigo de longa data, que a apelidou de Lady Day. Também nesse período, Holiday gravou algumas canções com as orquestras de Count Basie e Artie Shaw. Depois de passar pela Columbia Records e pela Comodore Records (onde gravou Strange Fruit, uma música contundente sobre linchamento de negros), Holiday acabou em 1944 na Decca Records. Lá emplacou um de seus maiores sucessos, Lover Man, uma balada escrita especialmente para ela, sobre uma mulher que nunca conheceu o amor. Entre os grandes clássicos da fase Decca está também Don´t Explain, de sua autoria, escrita depois que pegou seu marido, Jimmy Monroe, com marcas de batom na camisa.
Veja vídeos de Strange Fruit e The Blues Are Brewin':
Cinema, drogas, máfia
Em 1947, Lady Day apareceu no filme New Orleans ao lado de Louis Armstrong num papel que odiou fazer: o de empregada doméstica. Em maio daquele ano, foi presa por porte de narcóticos e condenada à prisão, onde permaneceu até março de 1948, quando foi libertada por bom comportamento. Após sair da cadeia, fez um concerto no Carnegie Hall, infelizmente não gravado, onde deslumbrou a plateia com sua interpretação de Night and Day, de Cole Porter. O show foi um tremendo sucesso com toda bilheteria vendida.
Em janeiro de 1949, mais uma vez Holiday foi presa sob a acusação de posse de drogas. Ela contou anos depois que começou a usar entorpecentes no começo da década de 40, quando mesmo casada, se envolveu com o traficante e músico Joe Guy. Mesmo após se divorciar do marido e terminar seu relacionamento com Guy, Holiday continuou a levar uma vida repleta de drogas e álcool e a manter relações com homens abusivos. Obviamente, essa vida desregrada acabou por prejudicar sua saúde e consequentemente sua voz privilegiada.
Em março de 1952, casou-se com um membro da máfia, Louis McKay, que apesar de violento e agressivo, procurou curá-la de seu vício. Nessa época, Holiday passou para o selo Verve Records, onde gravou mais de 100 músicas (entre elas My Man e Fine and Mellow), que acabaram por consistir no repertório mais conhecido da artista. Em 1954, fez uma turnê pela Europa e em 1956 se apresentou mais uma vez, por duas noites, no Carnegie Hall, desta vez com registro de todo o show. Também em 1956 foi lançada sua autobiografia, Lady Sings The Blues, escrita com William Dufty, que desejava que o mundo conhecesse a triste história da cantora através de sua própria versão, e não pela versão da imprensa.
Suas últimas gravações foram feitas em 1959 para a MGM Music, com a orquestra de Ray Ellis acompanhando. Em 31 de maio de 1959, foi levada às pressas para o Metropolitan Hospital de Nova York com graves problemas no fígado e no coração. Ao mesmo tempo, a polícia tinha um mandato de prisão contra ela por, mais uma vez, posse de drogas. Em 17 de julho de 1959, Billie Holiday, a Lady Day, faleceu em decorrência de uma cirrose. Seu vício e ritmo de vida frenéticos haviam consumido também seu patrimônio. Ela morreu com US$ 0,70 na conta bancária e US$ 750 no bolso.
Sua biografia virou filme em 1972, com Diana Ross no papel. Em 1987, recebeu um Grammy póstumo pelo seu legado. Virou selo postal em 1994 e, por incrível que pareça, ficou em sexto lugar no ranking promovido pelo canal de TV VH1 das 100 mulheres mais importantes do rock´n´roll. Entre as muitas homenagens que recebeu, destaca-se ser a inspiração para a música Angel of Harlem, dos irlandeses do U2.
* Foto: Flickr Bob Willoughby
NULL
NULL
NULL