Herdeiros do Clarin, suspeitos de serem filhos de desaparecidos, fazem teste DNA
Herdeiros do Clarin, suspeitos de serem filhos de desaparecidos, fazem teste DNA
Felipe e Marcela Noble Herrera, os filhos adotivos de Ernestina Herrera de Noble, dona do Grupo Clarín, a maior empresa multimídia da Argentina, submeteram-se hoje (29) de manhã a um teste de DNA. O exame tem como objetivo de saber se existe uma compatibilidade sanguínea com duas famílias que procuram netos sequestrados durante a ditadura militar (1976-83).
A organização de defesa das Avós da Praça de Mayo acusa Noble de encobrimento da identidade de Felipe e Marcela quando os dois eram bebês. Segundo elas, a dona do Clarín também teria falsificado os documentos das crianças. Os dois herdeiros tinham rechaçado as amostras genéticas desde 2001, quando surgiram as primeiras acusações contra Ernestina Herrera de Noble.
As Avós da Praça de Mayo, que levam 32 anos procurando o paradeiro dos bebês desaparecidos durante a ditadura, consideram que mais de 500 crianças foram sequestradas pelos militares entre 1976 e 1983. Após anos de investigações, 100 “netos recuperados”, como são chamados na Argentina, atualmente adultos, foram identificados e devolvidos às suas famílias biológicas.
Em todos estes casos, a comprovação de identidade com amostras genéticas era uma decisão pessoal, já que as Avós da Praça de Maio não podiam exigi-la. No entanto, o Parlamento argentino aprovou uma lei de exame compulsório de DNA, em novembro. É uma das ultimas medidas adotadas pelos deputados antes da posse do novo parlamento, controlado pela oposição, no dia 10 de dezembro.
Sem mais delongas
A lei tornou inviável a postura dos filhos adotivos de Herrera de Noble, que tentaram um ultimo recurso na justiça. Na semana passada, o tribunal federal de San Martín ordenou ao juiz federal Conrado Bergesio que realize “de forma imediata e sem mais delongas” os exames de DNA de Marcela e Felipe.
Os juizes Hugo Gurruchaga e Alberto Criscuolo destacaram que Bergesio “se enreda em discussões não conclusivas”, porém, sete anos depois de ter herdado a causa “não realiza a medida básica, essencial e inadiável” de cotejar o DNA de Marcela e Felipe Noble com o das 22 famílias que buscam crianças desaparecidas antes de suas adoções.
Se o exame de DNA comprovar que Felipe e Marcela são crianças sequestradas, Ernestina Herrera de Noble corre o risco de ser presa.
Gurruchaga e Criscuolo basearam sua decisão sobre as provas de falsificação de certidão de nascimento das crianças.
Segundo documentos da adoção, em 13 de maio de 1976, Ernestina Herrera de Noble se apresentou diante da justiça em San Isidro, com um bebê a que chamou de Marcela. Disse que a havia encontrado onze dias antes em uma caixa abandonada na porta de sua casa. Ela ofereceu como testemunhas uma vizinha e o caseiro da vizinha, cujos depoimentos foram desmentidos em 2001.
Decisão limitada
No caso do Felipe, Noble declarou que foi entregue, em 7 de julho de 1976, por a suposta mãe, Carmen Luisa Delta, que não podia ficar com o bebê. No mesmo dia, sem dispor de provas determinando as circunstâncias do nascimento, uma juíza concedeu a segunda guarda à dona de Clarín. A justiça descobriu anos depois que a senhora Delta nunca existiu.
Obedecendo à decisão do o tribunal federal de San Martín, o juiz federal Conrado Bergesio ordenou a realização do exame de DNA.
A decisão, porém, é limitada: o magistrado declarou que as amostras de DNA seriam comparadas somente com as das duas famílias que fizeram o pedido na Justiça para comprovar se são seus netos desaparecidos. Além disso, o exame foi feito numa sala de um tribunal, à pedido da diretora do Grupo Clarín, e não no Hospital Durand, onde funciona o Banco Nacional de Dados Genéticos.
As Avós da Praça de Maio denunciaram a decisão do juiz, qualificando-a de “ilegal” e lembrando que a exclusividade do exame para as duas famílias fecha as possibilidades de investigação com outros parentes de desaparecidos, cujas amostras são registradas no Banco de Dados Genético.
Estela de Carlotto, a presidente das Avós da Praça de Maio declarou que a justiça tinha que “tomar os cuidados para que as provas sejam obtidas das pessoas que se investiga”, não de motoristas ou funcionários de vizinhos.
O episodio surge no meio de uma guerra acirrada entre o governo de Cristina Kirchner e o grupo Clarín. Em outubro passado, o governo conseguiu fazer votar no Parlamento uma lei de radiodifusão que limite o poder do grupo multimídia. Desde então, o Clarín tenta derrubar na justiça os principais elementos da lei.
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