Os responsáveis pela segurança da Presidência da República lembrarão por muito tempo da reunião dos cinco chefes de Estado sul-americanos durante o Fórum Social Mundial, em Belém. As dimensões do Hangar, a sala onde aconteceu o evento, obrigaram os organizadores a limitar o número de participantes em 10 mil convidados. Ao lado dos simpatizantes do Partido dos Trabalhadores e dos sindicatos, reservaram um lugar para os índios. Umas 200 ou 300 vagas.
As lideranças indígenas bateram o pé. Seriam mil pelo menos, ou nada. Ver os presidentes era uma oportunidade única que não podia ser perdida. O Palácio do Planalto topou. Na entrada, as centenas de índios escolhidos entre os 2 mil presentes ao Fórum portavam plumas, instrumentos musicais e armas: arcos e flechas, lanças que eles se recusaram a deixar na entrada.
Os organizadores ficaram assustados, pois são os responsáveis pela segurança dos chefes de Estado, entre eles o venezuelano Hugo Chávez, que tem sofrido ameaças de morte. A negociação foi inútil. Os índios explicaram que entrar sem as armas no local era como ficar nu diante de todos. “Os seguranças ficaram nervosíssimos até o final da cerimônia”, conta, rindo, um assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O destaque que ganharam os índios naquela noite (quinta-feira passada, dia 29) não esconde a situação dramática de muitas tribos no Brasil e no resto da América Latina. Cerca de 27% do território amazônico, formado por nove países, é ocupado por terras indígenas. Mais de 40 milhões de pessoas, o equivalente a 10% de toda a população da América Latina, reside nesta região. Eles se dividem em 522 povos tradicionais de diferentes etnias.
Sábado, 31 de janeiro. Um grupo de 30 índios do Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, fronteira entre Brasil e Peru, invade uma das tendas de debate do Fórum para reivindicar melhor atendimento na área de saúde. Denuncia morte por hepatite e malária nas seis tribos da região, culpando a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Ministério da Saúde.
O jovem Paulo Marubo conta ao Opera Mundi que a hepatite já matou mais de cem índios do Vale. “Já que este Fórum quer falar dos direitos dos povos indígenas, pedimos socorro, queremos médicos capacitados e remédios. As autoridades prometem, mas nunca cumprem”, diz o líder indígena. “Perdi cinco membros da minha familia”, acrescenta o cacique Mario Nascimento Cruz. “Estamos aqui para pedir a ajuda das ONGs, não esperamos mais nada do Estado”.
Problemas relacionados à saúde indígena levaram o governo, no ano passado, a decidir que o assunto não será mais da alçada da Funasa. Durante o Fórum, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que propôs ao presidente Lula que isso fique a cargo da Funai, vinculada ao Ministério da Justiça. “Se eu e o presidente da Funai [Márcio Meira] não pudermos continuar defendendo as questões indígenas, eu saio do ministério”, assegurou Tarso Genro.
“Querem tomar nossa terra”
O estado de saúde não é o único problema no Vale do Javari. Paulo Marubo conta que as terras são invadidas por pescadores, caçadores, madeireiros e fazendeiros. “A fiscalização é muito fraca. Estamos ameaçados, querem tomar nossa terra, mas não vamos deixar. Nós, jovens, vamos lutar”, promete, em tom guerreiro.
O presidente da Coiab (Coordenação das Organizações das Nações Indígenas da Amazônia Brasileira), Marcos Apurinã, reclama da demora nos processos de demarcação, do desmatamento, do avanço da pecuária em terras amazônicas e dos projetos de construção de hidrelétricas nos rios Madeira e Tocantins. Diz também que ficou decepcionado pela decisão de Lula de não receber uma delegação indígena quando esteve em Belém.
Os 12 ministros que acompanharam o presidente viveram uma situação paradoxal em Belém, ao receberem a tarefa de defender o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). “O problema é que o PAC é também contra a preservação da Amazônia”, explica Emmanuel Wambergue, que trabalha numa ONG de Marabá, no sul do Pará, com pequenos agricultores e índios. “Transformar a Amazônia em uma espécie de reserva indígena, onde não se possa realizar qualquer atividade econômica, não é nosso propósito. Mas encontrar um equilíbrio é urgente”.
Tarso Genro se reuniu com lideranças de tribos de todo o país na tarde de sábado. Ele defendeu a gestão Lula enumerando uma série de iniciativas, como a realição de dez homologações de reservas nos últimos dois anos e os 90 processos de demarcação em curso. Lembrou ainda da postura do governo a favor da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Roraima), que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal. Para ele, se a causa for ganha, será uma grande vitória política. “Nós então poderemos partir para políticas ainda mais ofensivas, mais completas, na defesa das comunidades indígenas”.
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