Uma proposta da Igreja Católica chilena, que prevê o indulto a réus maiores de 70 anos, doentes terminais e mulheres com filhos, envolvidos em crimes durante a ditadura, virou tema de debate no Chile. A proposta eclesiástica – feita por ocasião do bicentenário da independência, em 2010 – deixa de fora do benefício os violadores dos direitos humanos, o que aumenta a tensão entre os diversos setores políticos do país.
Embora não tenha apresentado uma proposta concreta, a Igreja Católica defende a reedição da lei de indulto geral de 2000 que, por ocasião do jubileu, beneficiou pessoas que haviam cometido delitos menores, excluindo portanto as acusadas de assassinato.
A própria presidente Michelle Bachelet mostrou-se aberta a discutir e “contemplar com espírito amplo” a possibilidade de beneficiar militares da reserva envolvidos no regime ditatorial de Augusto Pinochet (1973-1990). A postura é compartilhada pela direita, citando a igualdade perante a lei, o que motiva preocupação entre os órgãos de defesa dos direitos humanos.
Ciente das sensibilidades que o tema desperta, a própria Bachelet suavizou suas declarações, advertindo que elas não podem ser tiradas do contexto, já que encomendou à sua equipe ministerial uma análise comparada de diversos modelos de indulto, na perspectiva de propor uma reforma que limite a autoridade do chefe de Estado.
A presidente chilena e sua família foram vítimas diretas da ditadura. O pai, o general Alberto Bachelet, faleceu devido à tortura em 1974 no Cárcere Público de Santiago e Michelle e a mãe foram presas e torturadas em 1975.
Confusão deliberada
A ministra de governo, Carolina Tohá, foi clara ao explicar que não haverá uma lei geral de indulto que beneficie militares processados em casos de abuso dos direitos humanos.
“Nunca esteve em pauta incluir delitos graves, já que, por sua condição de gravidade e porque há vidas envolvidas, é preciso considerar estes casos um a um. Levar ao centro do tema pessoas condenadas por abusos dos direitos humanos, que além disso cumpriram, na grande maioria, pouquíssimo tempo da pena, é deixar de compreender a lógica tradicional deste debate”, argumentou Tohá.
A dirigente da Associação de Familiares de Detidos Desaparecidos (AFDD), Mireya García, afirmou que “o governo deve começar a esclarecer os termos deste possível indulto bicentenário, pois existe muita confusão. É preciso deixar claro que as pessoas que cometeram delitos graves como os de lesa humanidade não podem ser beneficiárias de um indulto. É uma boa declaração, mas tem de se transformar em fato concreto”.
O partido direitista UDI (União Democrática Independente) afirmou que, no caso de ser concedido um indulto presidencial humanitário por ocasião do Bicentenário, como o sugerido pela Igreja, os militares envolvidos em violações dos direitos humanos durante a ditadura devem ser também, “necessariamente”, beneficiados, e não discriminados por razões políticas.
O deputado da UDI, Iván Moreira, acrescentou que, “se a situação fosse inversa, se aqueles na cadeia fossem extremistas de esquerda, tenho certeza de que o tratamento e a atitude do governo e da Concertação – coligação governista – seriam totalmente diferentes”.
Clima de campanha
Os indultos sempre foram prerrogativa do presidente da República. Nesta ocasião, será o Parlamento que, em meados de agosto, deverá dar luz verde à proposta da Igreja Católica. Não obstante, as reações, em tempos de campanha eleitoral, buscam obter dividendos em um tema que mobiliza o país.
Eduardo Frei, candidato presidencial pela Concertação, referiu-se à proposta da Igreja em tom polêmico para exigir respostas de quem a questionou. “Alegro-me com o fato de a Igreja defender um indulto em massa para o Bicentenário. O que dirão agora os outros candidatos? Acusarão a Igreja de promover o indulto no Chile?”.
Já o aspirante independente à presidência Marco Enríquez-Ominami afirmou ter apresentado uma lei para acabar com os indultos presidenciais.
“Concordo com o que a Igreja defende, existem casos humanitários, mas acredito que não se pode distorcer a vontade judicial por meio de uma figura monárquica”, disse o candidato rebelde, qualificando o indulto de “figura do presidencialismo colonial”.
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Fora da polêmica, o governo analisa as opções com cautela, pois até agora não há uma proposta concreta sobre o tema.
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