Os camponeses paraguaios acusados da morte de seis policiais
no episódio conhecido como Massacre de Curuguaty – que serviu de impulso para o
golpe contra Fernando Lugo – foram libertados nesta sexta-feira (27/07), após a
Justiça do país absolvê-los no caso.
A Sala Penal da Corte Suprema de Justiça do Paraguai
absolveu os camponeses por entender que, em nenhum momento, existiram provas
contundentes para mantê-los presos. Segundo o juiz Emiliano Rolón, a decisão
foi unânime e não haverá um novo julgamento. “Não se pôde ver quem disparou,
houve falta de evidências, somada a numerosas irregularidades, como alterações
da cena do crime. A investigação foi muito incipiente, foram cometidos muitos
erros”, reconheceu.
O Massacre de Curuguaty foi um dos episódios mais sangrentos
da história recente do Paraguai. Em 15 de junho de 2012, uma operação policial
com mais de 300 oficiais invadiu o assentamento sem-terra de Marina Kue, no
município de Curuguaty, para expulsar os cerca de 60 camponeses que viviam no
terreno – entre eles idosos e crianças.
A ação se deu a pedido da família do então senador Blas
Riquelme, que alegava ser dona das terras. A área era destinada à reforma
agrária e, para pressionar o Estado a fazer a demarcação, foi ocupada pelos
camponeses. O próprio nome do lugar estava relacionado a isso: em Guarani,
segundo idioma do país, “Marina Kue” significa – em tradução livre – “Pertenceu
à Marinha”. Anos antes, o terreno havia sido propriedade da Marinha
paraguaia.
No massacre, foram mortos 11 camponeses e seis policiais. A
morte dos trabalhadores sem-terra nunca foi investigada e cerca de 15 pessoas
foram presas, inicialmente, sem provas, pela morte dos oficiais. Por fim, Rubén
Villalba, Luis Olmedo, Néstor Castro e Arnaldo Quintana foram condenados com as
penas mais longas, que variaram entre 18 e 35 anos de prisão.
NULL
Luis Olmedo Paredes, condenado a 20 anos de prisão, reencontra a família após seis anos em Tacumbú (Mauro Collante)
À época, a Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy) fez uma análise da cena do crime e chegou à conclusão de que as informações utilizadas pela Justiça para condenar os camponeses não batiam com os fatos. Os projéteis encontrados nos cadáveres dos policiais eram de grosso calibre, capazes até de perfurar os coletes à prova de balas; outros haviam morrido com tiros certeiros na cabeça. As armas que pertenciam aos camponeses eram arcaicas e sequer foram disparadas.
Segundo o relatório da Codehupy, o episódio teria sido armado para que trabalhadores dos dois lados – agricultores e policiais pobres – fossem condenados para justificar um suposto cenário de “caos”, que, uma semana mais tarde resultou no golpe parlamentar contra o então presidente Fernando Lugo.
A família Riquelme, que exigia o direito sobre as terras, é mais uma das tantas que foram beneficiadas durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954 – 1989). A prática de distribuição de terrenos entre “amigos” do ditador transformou o Paraguai no país com um dos maiores índices de concentração de terra do mundo e paraíso para os testes químicos produzidos pelo agronegócio na região.
As famílias expulsas de Marina Kue até hoje não foram instaladas em um novo terreno e permanecem vivendo à beira da estrada que leva ao local, em barracas, sem condições de desenvolver a agricultura familiar, como faziam antes.
(*) Com Portal Vermelho