Após a instalação do tribunal, começa formalmente nesta terça-feira (02/07) o julgamento da líder política Keiko Fujimori e de outros 45 acusados de lavagem de dinheiro, de financiamento ilegal de campanha e outros crimes de corrupção na investigação da Lava Jato peruana que, ao contrário da matriz brasileira, continua ativa no Peru. Uma condenação de Keiko Fujimori terá impacto direto no cenário político peruano no qual cinco ex-presidentes estão envolvidos no esquema ilegal da empresa brasileira Odebrecht.
Na segunda-feira, depois de rejeitar os pedidos de anulação do processo por parte dos advogados das defesas, o Terceiro Juizado Penal Colegiado do Peru instalou o julgamento, que terá seis sessões em julho, mas não tem prazo para terminar.
O promotor José Domingo Pérez compareceu à sessão de instalação do tribunal com colete à prova de balas. Do lado de fora do tribunal, militantes do chamado ‘fujimorismo’ gritavam palavras de ordem: “Keiko é inocente, aqui está a sua gente”.
“Neste processo, vamos demonstrar que não há nenhuma evidência nem prova que confirme lavagem de dinheiro. Viremos amanhã com o mesmo ânimo porque esta é uma grande oportunidade (de provar a inocência)”, garantiu Keiko Fujimori ao sair do tribunal.
Com quase duas mil testemunhas e cerca de cinco mil testemunhos e documentos, a previsão é de um julgamento que leve anos, podendo passar de 2026, ano de eleições presidenciais no Peru.
Dez anos de investigações
Keiko Fujimori e outras 45 pessoas são acusadas de lavagem de dinheiro, falsa declaração em processo administrativo, falsidade genérica, obstrução da Justiça e formação de quadrilha. Os acusados são membros e militantes do partido fujimorista Força Popular. Inclusive a advogada de Keiko Fujimori, Giuliana Loza, também é uma das acusadas.
Keiko Fujimori, de 49 anos, três vezes candidata à Presidência, é acusada também de receber fundos ilegais da construtora brasileira Odebrecht, além de outras empresas peruanas. Só da Odebrecht, o partido Força Popular teria recebido US$ 17 milhões (R$ 96 milhões). Esse dinheiro ilegal teria sido para as campanhas eleitorais de 2011 e de 2016, mas também para benefício da família Fujimori.
Se condenada, Keiko Fujimori pode pegar uma pena de 30 anos e 10 meses de prisão. Por essa investigação, já foi presa duas vezes entre 2018 e 2020, totalizando 17 meses de prisão preventiva.
O processo que levou Keiko Fujimori ao banco dos réus começou há 10 anos. Ficou conhecido como “Caso Cócteles” (Caso Coquetéis) porque uma das formas de arrecadação de fundos de campanha era através de coquetéis.
Keiko nega ilegalidade e vê motivação política
Keiko Fujimori argumenta que o dinheiro era de empresários de prestígio e que as contribuições de campanha eram legais. A investigação apontou que representantes da Odebrecht confessaram ter contribuído de forma ilegal com US$ 1,2 milhão (R$ 6,7 milhões) só na campanha eleitoral de 2011.
Porém, ela tem uma interpretação particular dos depoimentos. Alega, por exemplo, que o dono da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e o ex-diretor da Odebrecht no Peru, Jorge Barata, negaram que ela tenha recebido dinheiro. Os dois negaram conhecê-la pessoalmente e disseram que ela não se aproximou deles, mas não refutaram o financiamento ilegal de campanha.
Outra estratégia é a da “vitimização”. Keiko Fujimori diz que o caso teve sempre uma “intencionalidade política” para afetar a imagem dela, para pedirem a suspensão do partido Força Popular e para, assim, eliminarem das disputas eleitorais a corrente política do “fujimorismo”.
Tabuleiro político
Se Keiko Fujimori for condenada, haverá um impacto grande na corrida eleitoral e na composição do Parlamento peruano. Com 24 legisladores, a Força Popular, um partido de extrema-direita, é a segunda bancada do Congresso.
Nas eleições de 2021, Keiko Fujimori perdeu a corrida presidencial para o já destituído Pedro Castillo por apenas 0,25% dos votos, exatamente 44.058 votos.
O julgamento deve representar um desgaste para Keiko Fujimori porque tende a estender-se além de 2026, ano eleitoral no Peru. Não é à toa que, cinco dias antes do começo do julgamento de Keiko, Alberto Fujimori, pai dela, disse que gostaria de ser candidato nas eleições de 2026, sem revelar a que cargo.
“Hoje reafirmo a minha decisão e vontade de assumir todos os riscos. Quero voltar a trabalhar por todos os peruanos”, anunciou Alberto Fujimori, quem, em agosto, completará 86 anos de idade.
Fujimori dissolveu o Congresso e governou o Peru como um ditador por dez anos entre 1990 e 2000. Ele foi condenado em 2007 a 25 anos de prisão por abusos aos direitos humanos. São cinco sentenças que envolvem de corrupção a homicídios, com crimes de lesa humanidade.
Alberto Fujimori recebeu um indulto humanitário em 2017 por parte do então presidente Pedro Pablo Kuczynski, que precisava do apoio da bancada dos Fujimori para não ser destituído. Atualmente, recupera-se de uma fratura na bacia e está em tratamento de um câncer na língua.
No Peru, duas leis proíbem que condenados por corrupção possam ser candidatos à Presidência ou a qualquer cargo sujeito à eleição popular.
Lava Jato peruana continua ativa
Em maio passado, após a Justiça brasileira anular a condenação por corrupção do dono da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, houve o temor de que os casos investigados no Peru também pudessem ser anulados, mas a Lava Jato peruana continua vigente porque não se baseia apenas nas provas geradas pela construtora brasileira.
Se no Brasil, a força-tarefa da Lava Jato já foi desmantelada, no Peru, a chamada Equipe Especial Lava Jato continua ativa. As investigações que envolvem a Odebrecht no Peru chegam a uma ampla lista de autoridades e líderes políticos. Só para ficar com os ex-presidentes, a lista tem cinco nomes.
O ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006) está em prisão preventiva. Os ex-presidentes Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) estão perto de serem julgados. O ex-presidente Alan García (1985-1990 e 2006-2011) suicidou-se em 2019, quando a polícia bateu à sua porta para o prender. Mesmo depois de morto, García continua sendo investigado. Enquanto o ex-presidente Martín Vizcarra (2018-2020) também responde a processo.
No mês passado, a justiça peruana emitiu as duas primeiras condenações a intermediários nos processos por corrupção envolvendo a Odebrecht.