O Brasil tenta acelerar as negociações do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul até o fim deste ano. Mas do lado dos europeus, dois argumentos ligados à atualidade têm potencial de continuar travando a finalização do texto: a entrada em vigor de uma lei antidesmatamento importado no bloco, prevista para janeiro de 2025, e os incêndios florestais em curso em diversas regiões brasileiras.
O tema tem sido evocado pelo Itamaraty e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em conversas com Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Olaf Scholz, chanceler da Alemanha – país favorável ao tratado. A série de queimadas nos biomas brasileiros se tornam um argumento a mais para aqueles que se opõem há anos à ratificação do texto na Europa, em especial o setor agrícola.
“O que está acontecendo no Brasil quase que justifica a regulação europeia sobre o desmatamento. Eu não a considero como um instrumento protecionista. Qualquer regulação pode ser usada de uma maneira protecionista, mas eu acho que ela tem uma motivação legítima ambiental, climática”, alega Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), focado em política externa brasileira.
“Na ausência de algum tipo de regulação multilateral ou acordada entre os países, eu entendo que a União Europeia tenha resolvido estabelecer um papel pioneiro de estabelecer uma legislação unilateral relativa às importações para os seus países-membros”, analisa.
Bloqueio permanente
A última rodada oficial de negociações do acordo foi realizada em Brasília, no começo de setembro, sob protestos de entidades representativas dos agricultores franceses, holandeses ou irlandeses. O diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, ex-embaixador na missão brasileira junto à União Europeia, é um dos mais experientes negociadores em tratados comerciais em nome do Brasil e do Mercosul – e estava no posto quando as negociações foram suspensas, em 2004. Ele demonstra pouca esperança de ver os entraves ao acordo serem superados um dia.
“Sempre tem e sempre terá, porque essas controvérsias não vão desaparecer. E aí o acordo fica no limbo”, constata. “Enquanto existir a Política Agrícola Comum (PAC) europeia, não tem expectativas de comércio mais livre para os produtos agrícolas de fora da União Europeia. É uma total impossibilidade.”
O atual momento político na Europa também não é favorável, com a ascensão da extrema direita nacionalista em diversos países. Em plena crise política, tudo que a França não quer é reavivar um tema tão polêmico quanto a associação comercial com o Mercosul.
Além disso, o novo primeiro-ministro francês, o conservador Michel Barnier, seria pessoalmente contrário à conclusão do tratado, segundo o site Euractif apurou com aliados do premiê. Barnier foi o negociador-chefe europeu para o Brexit e é apegado às chamadas cláusulas-espelho, que determinam a reciprocidade entre as duas partes.
Rejeição do acordo pelo PT
O projeto foi lançado há quase 25 anos, passou cerca de 12 anos paralisado e, por fim, só foi concluído durante o segundo ano de governo de Jair Bolsonaro, em 2019. Entretanto, a etapa seguinte, da ratificação pelos Parlamentos dos países membros dos dois blocos, jamais se concretizou, no contexto da disparada do desmatamento na Amazônia. As negociações foram reabertas após a troca de governo no Brasil, em 2022.
Na visão de Motta Veiga, a responsabilidade pelo fracasso até agora é partilhada pelos dois lados. Depois de a União Europeia exigir a inclusão do combate ao desmatamento no texto, o Brasil impôs uma nova lista de condições em contrapartida, como restrições de acesso às compras governamentais nos países do Mercosul.
O especialista lembra que as gestões petistas sempre se opuseram ao avanço das tratativas – e afirma duvidar quando o presidente diz desejar fechar o texto até dezembro.
“Eu não sei se o Brasil espera isso. Eu sou muito cético sobre a disposição da diplomacia brasileira e os governos do PT de fechar acordos com países desenvolvidos. É uma coisa rejeitada pelo PT por princípio”, salienta. “Na verdade, eles não fazem acordos com ninguém, nem com o Mercosul, que é priorizado por eles. Então eu acho que é muito da boca para fora: Lula pode perfeitamente ficar dizendo que quer acordo, porque de qualquer forma os europeus provavelmente não o querem”.
O diplomata José Graça Lima vai além: avalia a própria pertinência no pacto, que não criaria mais comércio entre os dois blocos regionais, dadas as restrições que o texto negociado impõe. Os automóveis europeus, por exemplo, só teriam acesso facilitado ao mercado sul-americano 16 anos depois da entrada em vigor do tratado.
“É claro que há um interesse de todas as partes de vender algo que, na verdade, não existe, que é a criação de um mercado consumidor de milhões de pessoas. Mas mesmo na vigência deste acordo, a União Europeia não vai ter melhores condições de acesso do que a China, por uma questão de custos de produção, de competitividade”, avalia o ex-embaixador.
“Do ponto de vista agrícola, há um engessamento de uma situação que é discutível, eu diria até ilegal à luz da OMC [Organização Mundial do Comércio], afinal o acordo estabelece cotas para produtos brasileiros – que ainda podem ser afetados por uma lei antidesmatamento, cuja operacionalidade é muito discutível. Ela estabelece o precedente de uma restrição que pode prejudicar o Brasil nos outros mercados”, adverte.
Outros países também pedem adiamento
No começo de setembro, os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, encaminharam à Comissão Europeia uma carta para pedir o adiamento da lei no bloco, considerada “punitiva” aos países produtores de commodities como o Brasil. Eles alegam que a medida poderia afetar 30% das exportações à Europa, o equivalente a 15 bilhões de dólares (R$ 83,5 bilhões).
A iniciativa brasileira foi criticada por organizações ambientalistas, que afirmam que o país poderia, ao contrário, se beneficiar desta legislação para acelerar a preservação das florestas.
O Brasil não é o único insatisfeito com a nova legislação, adotada para aumentar a rastreabilidade da cadeia produtiva e, assim, combater o desmatamento nos países exportadores para a União Europeia. Os Estados Unidos já tinham feito solicitação semelhante, e outros países africanos e asiáticos demonstram a mesma preocupação com a sua implementação, cujos detalhes não estariam esclarecidos. Alegam, ainda, que os trâmites burocráticos dentro da UE ainda não estão finalizados.