A chegada das eleições municipais no Brasil retoma as questões envolvendo as discrepâncias sociais, e a inequidade de gênero é uma das que mais chama a atenção.
Embora o país sul-americano possua legislações nesse sentido, como é o caso da cota de gênero criada há 27 anos, a representatividade feminina em cargos políticos segue muito aquém para os 30% das candidaturas obrigatórias a mulheres previstas pela norma.
A cientista política Tathiana Chicarino, professora da Escola de Sociologia e Política (FESPSP), afirma que o Brasil deveria tomar como referência a lei de paridade de gênero presente nos três poderes da Constituição mexicana.
A Opera Mundi, a especialista aponta que ainda há uma insuficiência no que diz respeito à equidade de gênero na política brasileira.
“Os 30% seriam a cota de gênero para a lista de candidaturas. Isso não se reflete necessariamente nos espaços de poder. Se pegarmos hoje a nossa Câmara federal, ela é ocupada por 91 mulheres apenas, enquanto temos 513 cadeiras. Ou seja, 17,7%. Quando a gente pensa em prefeituras, essa proporção é menor ainda. Vereadoras também”, afirma Chicarino.
O México sustentou uma medida democrática ao igualar a participação feminina e masculina nas eleições. A lei de paridade de gênero no país foi promulgada durante uma reforma eleitoral em 2014, e entrou em vigor em 2018. Ela prevê que os partidos apresentem 50% de candidatas mulheres e 50% de candidatos homens para o pleito.
Somada a ela, uma reforma constitucional, em 2019, estabeleceu que a busca pela paridade de gênero deve estar presente nos três poderes, nos três níveis do Executivo e nos organismos públicos autônomos. São fatores que impulsionaram uma disputa presidencial entre duas mulheres mexicanas, na qual Claudia Sheinbaum, apoiada pelo chefe de Estado Andrés Manuel López Obrador, saiu vitoriosa contra a senadora direitista Xóchitl Gálvez.
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Municipais no Brasil
Em outubro, o Brasil vai às urnas nas eleições municipais, para escolher entre os mais de 450 mil candidatos disputando para vagas nas prefeituras e câmaras de vereadores. Desses, 66% são homens e 34%, mulheres, de acordo com o jornal Nexo.
Já o balanço do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que, nas eleições de 2020, as mulheres representaram somente 12% dos prefeitos eleitos no 1º turno, a mesma proporção registrada em 2016. O número de vereadoras eleitas aumentou, mas somou apenas 16%, longe dos 84% de homens eleitos na categoria.
A baixa representatividade feminina tem diversas camadas. De acordo com Chicarino, os obstáculos impostos à mulher já se concentram antes mesmo de sua chegada à política, “no processo da construção”.
“Existem obstáculos, primeiro, para fazer uma lista de candidatos e, segundo, para alocar recursos. Além disso, temos outros problemas como o recrutamento das mulheres até chegar a ter uma candidatura minimamente viável: que é a construção de capital político, uma presença no partido. E a gente tem uma situação de desigualdade estrutural em que as mulheres se dedicam muito mais ao trabalho da sobrevivência material da vida, por exemplo do cuidado, do que dos homens”, explica a cientista política.
Chicarino acrescenta que, diante disso, é preciso destacar as experiências internacionais como a vitória eleitoral de Sheinbaum, uma vez que elas demonstram a viabilidade da mulher em espaços de poder.
Desigualdade em recursos financeiros
Outro fator agravante é que a legislação atual não assegura às candidatas o acesso efetivo aos recursos financeiros de campanha na mesma proporção que os homens, o que acaba por privilegiar as candidaturas masculinas enquanto, na maioria das vezes, mulheres são inseridas em posições coadjuvantes nas chapas dos partidos.
Segundo um levantamento da Folha de S. Paulo, apenas uma em cada cinco candidaturas têm mulheres como cabeças das chapas que disputam as prefeituras das capitais no Brasil em 2024.
Além disso, em alguns casos, elas apenas constituem as candidaturas laranjas por partidos que, ao fraudar a lei da cota de gênero, buscam o repasse de recursos garantidos pelo Fundo Eleitoral.
“Vira e mexe há tentativa de burla. Por exemplo, agora temos partidos colocando candidatas como vice-prefeita para conseguir ter os recursos de Fundo Eleitoral usados na campanha, fazendo disso como se fosse uma medida para equidade de gênero. Só que, de fato, nós estamos lá na cabeça de chapa?”, questiona a especialista. “Nós temos muito a avançar”.