O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou nesta quarta-feira (23/10) na Sessão Plenária Aberta da XVI Cúpula do BRICS, na Rússia.
A fala do mandatário brasileiro foi o lida e transmitida para o evento realizado na cidade russa de Kazan devido a orientação médica de que Lula deveria evitar viagens de longas distâncias após um acidente doméstico no Palácio da Alvorada.
Lula culpou os países ricos pela crise climática no mundo, defendeu o uso de moedas alternativas ao dólar para transações entre membros do grupo e voltou a condenar o massacre promovido por Israel contra palestinos na Faixa de Gaza.
Leia na íntegra o discurso
Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do BRICS. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20.
Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos.
Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir de exemplo para o resto do mundo.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões.
Convido todos a se somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes.
O BRICS é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima.
Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje.
É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos.
Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes.
O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva.
Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.
Na COP 30, em Belém, vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
Na presidência brasileira do BRICS, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países.
Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos.
Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados.
O BRICS foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas.
Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social.
Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.
Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas.
É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido.
As iniciativas e instituições do BRICS rompem com essa lógica.
A atuação do Conselho Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós.
As exportações brasileiras para os países do BRICS cresceram doze vezes entre 2003 e 2023.
O BRICS é hoje a origem de quase um terço das importações do Brasil.
A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem.
Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas.
O Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa dez anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana.
Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares.
Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.
Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais.
Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto.
Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países.
Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.
Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada.
Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas.
O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade.
É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência.
É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes.
Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.
Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano.
Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia.
No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns.
Por isso, o lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
Companheiros, espero vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história comum.
Muito obrigado presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan.