Em uma declaração histórica, o líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Abdullah Öcalan, ordenou nesta quinta-feira (27/02) a dissolução do grupo de resistência e o fim da luta armada na Turquia, após quatro décadas de confrontos com as forças turcas.
Por meio de uma mensagem lida por seus aliados do Partido Popular da Igualdade e da Democracia (DEM) durante uma coletiva, o fundador do grupo comunicou que a decisão decorre das “medidas democráticas” que o governo turco tomou em questões curdas, incluindo seus planos de desenvolvimentos regionais. Ao lembrar que o motivo do surgimento do PKK foi a “negação total da realidade curda, as restrições aos direitos e liberdades básicas, especialmente a de expressão”, Öcalan concluiu, agora, que “a resistência armada não tem mais nenhum significado”.
“Todos os grupos devem abandonar as armas, o PKK tem de se dissolver. Eu peço que abandonem as armas e assumo a responsabilidade por este apelo”, pediu o líder, em discurso lido pela delegação do DEM.
Durante o anúncio, a legenda pró-curdos e de oposição ao regime do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, também revelou ter se reunido com Öcalan na penitenciária da ilha de Imrali, ao sul de Istambul. O líder do PKK, de 75 anos, cumpre atualmente uma pena de prisão perpétua após ter sido capturado por forças especiais turcas em Nairóbi, no Quênia, em 1999.
“Este é um ponto de ruptura da história e é positivo. Estamos aqui com uma bússola para encontrar uma possível rota e sair desses dias sombrios e caóticos”, destacou Sırrı Süreyya Önder, do DEM, acrescentando que, embora Öcalan tenha pedido a dissolução do PKK e a deposição das armas, tudo “requer o reconhecimento da política democrática” e apoio legal para uma paz sustentada.
À imprensa, políticos da sigla aliada relataram esperar que o governo de Erdogan alivie a pressão sobre o PKK, uma vez que diversas autoridades de Ancara tentaram substituir governantes afiliados ao grupo, particularmente no sudeste de maioria curda. Segundo o jornal britânico The Guardian, a decisão de Öcalan foi recebida com “cautela” pelo partido governista de Erdogan.

Uma bandeira com o rosto de Abudllah Öcalan em um comício pró-curdo em Bruxelas, na Bélgica
O que pretende o PKK?
A Opera Mundi, o cientista político Bruno Lima Rocha, também professor de Relações Internacionais e doutor em Ciência Política pela UFRGS, avaliou que os objetivos do PKK por um estatuto federalista para os territórios do Curdistão, em especial na Turquia, não foram alcançados. Entretanto, explicou que, com a medida, o grupo visa “um novo acordo regional, o fim do financiamento de guerra dos EUA e uma normalização de fronteira entre Síria e Turquia”.
No caso particular de Washington, segundo o especialista, a gestão poderia deixar de fornecer apoio militar à coalizão anti-Daesh, ou anti-ISIS, formada para combater o Estado Islâmico que já controlou partes da Síria e do Iraque.
“Quem alimenta o Daesh, ISIS, Estado Islâmico é a Turquia a partir do seu serviço de inteligência, o MIT”, afirmou Rocha, sugerindo que o governo turco, apesar de ser membro da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e teoricamente aliado do Ocidente, estaria envolvido em atividades contrárias ao governo norte-americano. A Turquia tem seus próprios interesses na região, especialmente em relação aos curdos, que são vistos como uma ameaça à sua segurança nacional devido às aspirações de autonomia.
Dessa forma, sem o apoio dos EUA, a dinâmica de poder na região poderia mudar de forma significativa, uma vez que o governo norte-americano é um dos principais atores no combate ao ISIS.
Partido dos Trabalhadores do Curdistão
Os curdos são um grupo étnico sem Estado próprio, espalhado principalmente pela Turquia, Síria, Iraque e Irã. Ao longo dos anos, eles têm lutado por autonomia e direitos políticos, colocando-os, por consequência, em conflito com vários governos da região.
O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) foi fundado por Öcalan em 1978, tendo como principal reivindicação a criação de seu Estado Nacional. Entretanto, é considerado uma organização terrorista não somente por Ancara, como também pela União Europeia e os EUA.
O PKK tem sido responsável por uma série de ataques desde a sua existência, com episódios marcados pelo uso de carros-bomba e tiroteios direcionados a alvos militares e de segurança turcos. Em outubro passado, o PKK assumiu a responsabilidade por uma ofensiva a uma empresa estatal de armas perto de Ancara, matando pelo menos cinco pessoas e ferindo outras 22.
Os confrontos se agravaram em 2015, quando um acordo de cessar-fogo entre o grupo e a Turquia entrou em colapso. O fato levou o governo turco a renovar seus ataques por meio de drones e ofensivas aéreas, visando combatentes nas montanhas do norte do Iraque. O think tank International Crisis Group estima que, em 10 anos, os combates na Turquia tenham matado mais de 7 mil pessoas, incluindo 646 civis, pelo menos 4 mil militantes e quase 1,5 mil membros das forças de segurança turcas.