'Lula e Lee Jae Myung têm semelhanças pessoais e políticas', diz embaixadora brasileira em Seul
Para Márcia Donner Abreu, ambos compartilham valores na luta pela democracia e são 'defensores dos trabalhadores'
As relações bilaterais entre os governos do Brasil e da Coreia do Sul tendem a ficar mais estreitas enquanto coincidirem os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Lee Jae Myung (Partido Democrático da Coreia, “PDK” na sigla em inglês) de acordo com a embaixadora brasileira em Seul, Márcia Donner Abreu. Isso por que, a Opera Mundi, a representante de Brasília associou as perspectivas diplomáticas entre as duas nações às semelhanças do histórico pessoal e político que compartilham ambos os chefes de Estado.
“Os dois mandatários nasceram na pobreza, superaram circunstâncias adversas para tornarem-se defensores dos trabalhadores – Lula como líder sindical, Lee como advogado de direitos humanos e trabalhista –, e transformaram essa luta por melhores condições e dignidade do trabalho em sua plataforma de ingresso na vida política, chegando à Presidência de seus países”, apontou Abreu. “Ambos enfrentaram também, em seus anos de carreira pública, pesadas batalhas legais.”
“Batalhas legais” por conta de acusações políticas “sem provas” enfrentadas pelos dois líderes, embora em contextos distintos, mas que posteriormente foram anuladas pela Justiça de seus respectivos países.
Em 2024, antes do ex-mandatário sul-coreano de extrema direita Yoon Suk Yeol (Partido do Poder Popular, “PPP” pela sigla em inglês) decretar a lei marcial na tentativa de promover um autogolpe no país – que acabou fracassada e resultou em seu impeachment – o seu principal adversário político e líder da oposição Lee havia sido processado pela promotoria por suposta violação de lei eleitoral durante uma campanha realizada anos atrás. Na ocasião, o então deputado apontou que se tratava de uma acusação “sem evidências” articulada pela ala governista, e mencionou Lula para afirmar que “a situação é a mesma”.
Recentemente, os dois chefes de Estado tiveram seu primeiro encontro na esteira da Cúpula do G7, no Canadá. A imprensa do país asiático se referiu a Lula como o “padrinho da esquerda latino-americana” e pincelou a juventude do ex-operário, marcada na perda de seu dedo mindinho enquanto trabalhava em uma metalúrgica em São Paulo, aos 19 anos.
O gabinete presidencial sul-coreano revelou os detalhes da conversa informal entre os mandatários, durante a qual Lee compartilhou a Lula um ponto em comum: seu antebraço esquerdo é deformado porque, quando tinha 15 anos e trabalhava em uma fábrica de luvas de beisebol, o membro ficou preso por uma máquina de prensar.
Então o presidente brasileiro teria dito: “não nos esqueçamos do motivo pelo qual a população nos escolheu”.
Desafios de Lee
Com a destituição de Yoon em abril após a tentativa da lei marcial, o governo sul-coreano convocou eleições antecipadas para a Presidência. Em 3 de junho, Lee assumiu a Casa Azul e, com ela, diversas responsabilidades políticas e econômicas diante de uma sociedade polarizada e do trumpismo nos Estados Unidos. Segundo a embaixadora, a eleição do opositor “marca um importante divisor de águas em um país profundamente abalado”.
“A democracia coreana deu provas de sua resiliência, mas o novo presidente tem diante de si a hercúlea tarefa de reunificar uma população muito polarizada, promover reformas políticas e na estrutura de governo – fala, inclusive, de levar adiante uma reforma constitucional”, explicou a embaixadora, afirmando que a urgência do novo mandatário é “relançar a economia nacional, que vinha enfrentando diversos problemas estruturais nos últimos anos e foi ainda mais abalada pela instabilidade política e pelas tarifas norte-americanas”.
De acordo com a diplomata, nas relações exteriores, a atual gestão já confirmou que manterá centralidade no relacionamento com a Casa Branca, além de assegurar a continuidade à cooperação tripartite com os EUA e o Japão, apesar de também tentar promover novos esforços para amenizar as tensões com a Coreia do Norte. Já com a China, principal sócio comercial da Coreia do Sul, manter uma “relação madura e mutuamente benéfica”.

Presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Coreia do Sul, Lee Jae Myung, nos bastidores da Cúpula do G7, no Canadá
Imprensa Conjunta da Coreia do Sul
Trocas comerciais e culturais
Para a Coreia do Sul, as relações mantidas com o Brasil carregam simbolismo por se tratar do primeiro país latino-americano a estabelecer laços com a nação. Atualmente, o território brasileiro abrange mais de 50 mil imigrantes sul-coreanos, e a maioria se concentra no Estado de São Paulo. Os primeiros cidadãos do país asiático desembarcaram no Porto de Santos em 1963, quatro anos depois do estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasília e Seul.
Hoje, a Coreia do Sul é o quarto maior parceiro comercial do Brasil na Ásia e importante investidor com transnacionais que fazem parte do dia a dia da sociedade brasileira, como Samsung, Hyundai e LG.
“Ciência e tecnologia também são parte integrante da agenda de relacionamento, com uma ainda pequena diáspora científica brasileira trabalhando em empresas e programas de pesquisa na Coreia e saudável intercâmbio e projetos científicos entre universidades e empresas dos dois países, com destaque para as áreas de biofármacos e espaço”, disse Abreu.
E quando se fala da Coreia do Sul, é inevitável tocar neste tópico: K-pop e K-drama. A indústria cultural sul-coreana faz sucesso no mundo, sobretudo no Brasil. Nos últimos anos, diversos artistas, incluindo os grupos de cantores – popularmente conhecidos como “idols” – e atores, têm vindo ao país em turnês internacionais ou, às vezes, em agendas isoladas diante da alta demanda de fãs brasileiros.
“O K-pop é uma febre no mundo, filmes coreanos são sucessos de bilheteria e recebem prêmios de grande relevo, as séries, ou K-dramas (que os brasileiros chamam de “doramas”) conquistam audiências fenomenais”, afirmaou a diplomata.
E a admiração à cultura sul-coreana também desperta curiosidade pela sua gastronomia. Cada vez mais são inaugurados restaurantes, cafeterias e bares que servem os pratos típicos do país asiático, além das comidas comumente vistas em cenas de K-dramas. “A comida local ganha espaço nas mesas mais sofisticadas do mundo, com pratos como teobbokki, galbi ou bibimpap, além do singelo kimbap atraindo multidões de fãs. Para não falar de bebidas como soju, someak (soju com cerveja) ou do genial magkoli”, citou Abreu.
E em movimento vice-versa, a embaixadora brasileira revela que os cidadãos na Coreia do Sul são “grandes apreciadores da cultura clássica” e, em meio à globalização, o Brasil vem ganhando espaço no país. “O Brasil é conhecido na Coreia [do Sul] sobretudo pela Bossa Nova e pela Tropicália: Gilberto Gil lotou a Seul Forest em seu show no final de 2024”, contou.