O arquiteto da Guerra do Vietnã, que depois virou defensor dos pobres, morreu sem causar fortes reações no país onde muitos perderam a noção de quão obscena uma guerra pode ser.
Em 1962, Robert McNamara encarou a possibilidade de usar uma bomba nuclear para fazer desaparecer da face da terra a ilha de Cuba e seu líder Fidel Castro. Trinta anos depois, em Havana, o antigo secretário da Defesa norte-americano não só lhe deu um forte abraço como o absolveu por ter feito uma revolução comunista a 150 quilômetros dos Estados Unidos.
“Digo isso com alguma satisfação, senhor presidente. É verdade que em seu país os direitos políticos não estão muito desenvolvidos, mas tenho de admitir que aqui se respeitam os direitos humanos”, disse McNamara, no encerramento de uma conferência acadêmica sobre a Crise dos Mísseis de 1962, quando a União Soviética instalou foguetes nucleares na ilha e os Estados Unidos ameaçaram com o holocausto nuclear.
As palavras de McNamara, transmitidas ao vivo pela televisão cubana, provocaram um enorme sorriso do líder cubano. Mas na missão diplomática norte-americana em Havana, houve quem o amaldiçoasse e até o insultasse. Naquela época, a diplomacia de Washington em Havana estava dedicada principalmente à denúncia de violações de direitos humanos e à promoção de movimentos dissidentes. As palavras de McNamara foram um balde de água fria.
Foi a única vez que ele viajou a Cuba, uma ilha que conhecia apenas das fotografias aéreas feitas pelos aviões espiões norte-americanos em 1962. Fidel não foi buscá-lo no aeroporto, mas estava à sua espera na residência de protocolo onde o alojaram. Durante 10 dias, os dois não se separaram. O então presidente cubano levou-o para conhecer os quatro cantos do país, o povo e a indústria, assim como as grutas onde os soviéticos esconderam os mísseis em 1962.
Apresentou-o a generais e oficiais cubanos que comandaram a bateria que derrubou um dos aviões espiões e até acabaram por se retratar diante do monumento que recorda a crise, um enorme casco vazio de um míssil soviético, erguido na costa norte de Havana e que seria derrubado anos mais tarde por um furacão que, curiosamente, chegou do norte, ou seja, dos Estados Unidos.
Midiático e influente
Robert McNamara foi o secretário da Defesa mais midiático dos Estados Unidos e um dos altos funcionários do país com maior influência sobre as duas administrações que serviu, de John F. Kennedy e Lyndon Johnson.
Faleceu aos 93 anos na segunda-feira passada, enquanto dormia. No obituário publicado no dia seguinte, o The New York Times o descreveu como um homem de “grande sangue frio, com gelo nas veias e rigidamente intelectual”, a ponto de conseguir dotar os Estados Unidos de uma justificativa para a Guerra do Vietnã, um fracasso militar do qual ele se arrependeria décadas mais tarde.
Em 1995, na única visita ao Vietnã unificado, reuniu-se em Hanói com o legendário general Vo Nguyen Giap, que levou os vietnamitas à vitória contra o colonialismo francês e as tropas norte-americanas. Contam algumas testemunhas que logo que se sentaram diante de duas chávenas de chá, o norte-americano perguntou de imediato ao vietnamita: que aconteceu naquela noite em Tonking? “Nada, absolutamente nada”, respondeu Giap, enquanto acendia um cigarro.
Em agosto de 1964, Johnson lançou um ataque contra o então Vietnã do Norte, depois que McNamara o informou de que um comando do exército desse país tinha atacado dois navios militares dos Estados Unidos. O ataque nunca existiu. Anos depois, soube-se que os militares norte-americanos tinham “bombardeado” os sonares dos barcos com sinais elétricos para dar a ideia de estavam sendo atacados.
Contra a pobreza
Durante a administração Kennedy, McNamara teve um papel ativo na crise dos mísseis de 1962, mas também na invasão da Baía dos Porcos, ao sul de Cuba, em abril de 1961. Nos anos em que esteve a serviço de Johnson, praticamente dirigiu a Guerra do Vietnã, até o momento em que criticou Johnson pela decisão de bombardear o norte, o que levou a guerra à população civil. Estávamos em dezembro de 1967.
Meses depois, o presidente demitiu-o e nomeou-o à frente do Banco Mundial, onde McNamara lançou uma cruzada contra a pobreza e ampliou a influência do organismo a nível mundial. Em 1968, o Banco Mundial emprestava 1 bilhão de dólares anuais aos países do Terceiro Mundo. Quando McNamara deixou o cargo, em 1981, a cifra tinha subido para 11,5 bilhões.
Sua morte não provocou grandes reações nos Estados Unidos, um país que mantém neste momento duas frentes de combate, no Iraque e no Afeganistão. Como assinalou o analista Bob Herbert, no International Herald Tribune, “muitos norte-americanos perderam a noção de quão obscena pode ser uma guerra e isso retira todo significado real à morte de Robert McNamara”.
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