Com a escalada da violência na RCA (República Centro-Africana), a organização MSF (Médicos Sem Fronteiras) declarou nesta segunda-feira (05/05) que vai reduzir atuação no país após ataque a um hospital local, que resultou na morte de civis e agentes humanitários.
“Em protesto ao assassinato brutal de 16 civis, incluindo três de seus profissionais, no hospital de Boguila, no dia 26 de abril, estamos reduzindo atividades na RCA e os projetos relacionados em países vizinhos por uma semana, atendendo apenas a emergências médicas”, explicou a organização em nota, acrescentando que vai avaliar o ambiente de trabalho e o impacto potencial para o futuro de suas atividades médicas na região.
H. Reichenberger/ ACNUR
Crianças refugiadas em Burkina Faso: conflito no país separou diversas famílias desde o ano passado
“Apelamos ao governo transitório da RCA e a todos os grupos armados envolvidos no conflito que condenem publicamente e imediatamente esse ataque tenebroso”, disse Arjan Hehenkamp, diretor-geral de MSF. “Atacar a MSF significa atacar um dos principais grupos médicos atuantes hoje no país”, acrescentou, pedindo que as autoridades providenciem proteção urgente à população.
No dia primeiro de maio, um funcionário local do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) foi assassinado na capital da RCA, Bangui. Membro da agência da ONU desde 2008, o homem foi sequestrado e seu corpo foi encontrado horas depois. Em comunicado, o ACNUR lamentou a morte e pediu que todas as partes envolvidas no conflito reconheçam e respeitem a neutralidade da assistência humanitária no país.
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De acordo com a MSF, nos últimos 18 meses houve diversos casos de violência com membros da equipe. Profissionais do Ministério da Saúde, além de outras organizações humanitárias internacionais, também são alvo de constantes ataques na RCA.
Mariane Roccelo/ Opera Mundi
Mapa apresenta localização da República Centro-Africana, a capital (Bangui) e seus limites fronteiriços no continente africano
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Entenda a crise humanitária no país
O conflito no país remonta ao dia 24 de março de 2013, quando um golpe de Estado afastou o então presidente François Bozizé e declarou Michel Djotodia o primeiro líder muçulmano em um país de maioria cristã. Desde então, a República Centro-Africana virou palco de conflitos sangrentos entre cristãos (Antibalaka) e muçulmanos (Seleka). Com a renúncia de Djotodia, no início de janeiro deste ano, a situação ainda mantém-se frágil e instável.
Em entrevista a Opera Mundi, o brasileiro Hugo Reichenberger, funcionário do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) na RCA, afirmou que, nos últimos tempos, “os níveis de brutalidade são inacreditáveis” no país. Para ele, o conflito apresenta “raízes de um genocídio e potencial para se tornar um, mas, por enquanto, trata-se de uma verdadeira limpeza étnica e religiosa”.
H. Reichenberger/ ACNUR
Cenário de refugiados no aeroporto internacional de Bangui, capital da República Centro-Africana
No início de abril, o Conselho de Segurança da ONU e a União Europeia autorizaram o envio de uma missão de paz composta por 12.800 soldados e policiais para a RCA. O contingente teve a missão de ajudar os 1.600 soldados da operação francesa no país e das tropas africanas do Misca (Missão Internacional de apoio à RCA).
A respeito do aumento do contingente militar no país, Hugo mantém posicionamento otimista. “Devo admitir que sempre fui contra intervenção armada, mas a presença das tropas foi extremamente positiva”. O brasileiro também enfatizou a importância do aumento da assistência de agências da ONU em vilarejos com mais potencial de guerra.
“A presença da ajuda humanitária nessas zonas de conflito ajuda a reduzir a tensão do local, pois há o partido neutro com o qual todo mundo pode falar”, explicou Reichenberger. Para ele, uma das expectativas é que a atual líder e primeira mulher a assumir a presidência no país, Catherine Samba-Panza, consiga reconciliar as duas milícias religiosas em guerra.
H. Reichenberger/ ACNUR
Hugo Reichenberger (à dir., de azul) com grupo de refugiados em Burkina Faso