Mexicanos estão divididos sobre eleição judicial, a 1ª no mundo; entenda
Votação escolhe novos representantes do Poder Judiciário em todas as instâncias, incluindo Suprema Corte
Um mar de barracas com milhares de representantes de movimentos e organizações populares de todo o país, faixas estendidas à frente do Palácio Nacional, megafones a todo o vapor e policiamento redobrado. Foi assim que a reportagem de Opera Mundi encontrou a Praça da Constituição, na Cidade do México, às vésperas das eleições judiciais no país.
No domingo (01/06), os mexicanos vão às urnas para escolher os novos representantes do Poder Judiciário em todas as instâncias, algo inédito na história do país. A reforma judicial foi aprovada no governo do ex-presidente Andrés López Obrador e será implementada agora, durante a gestão de Claudia Sheinbaum, com a eleição de 881 cargos federais e 1.800 estaduais.
Os magistrados escolhidos terão a responsabilidade de decidir desde a guarda de um menor até a extradição de narcotraficantes, além da proteção de direitos e liberdades individuais. Segundo a presidente do México, essa será “a maior oportunidade de democratizar a Justiça”, colocando nas mãos do povo a decisão final.
Porém, há quem não esteja tão confiante assim. Com um orçamento reduzido para a organização do pleito, o Instituto Nacional Eleitoral (INE) deixou dúvidas durante o processo, principalmente no que diz respeito à divulgação dos candidatos para a população. Isso por que, há seis cartões diferentes para votar, o que pode levar a um aumento dos votos nulos ou favorecer a eleição de figuras ligadas ao crime organizado. Além desses pontos, algumas críticas esparram em uma politização do Judiciário e o fim da imparcialidade nas decisões.
De acordo com a pesquisa realizada pela Enkoll para o jornal espanhol El País, a taxa de participação nas eleições judiciais no México pode alcançar 23%. Este dado supera as projeções anteriores, que apontavam para cerca de 11%. O levantamento revela ainda que, atualmente, 77% dos cidadãos não têm conhecimento sobre os candidatos, e apenas 48% estão cientes da data exata da votação. Vale recordar que o voto não será obrigatório.
Acesso à justiça
Daniela González López, coordenadora internacional do Observatório de Direitos Humanos e dos Povos, acredita que as eleições judiciais representam um passo importante para fortalecer a participação cidadã e abrir o acesso à justiça, embora também concorde que há questões que não estão claras para a população mais vulnerável.
Apesar dos avanços, ela disse a Opera Mundi que o país ainda enfrenta uma herança de corrupção dos governos neoliberais anteriores que influencia o sistema. Grupos políticos, incluindo máfias e vínculos com grupos paramilitares, continuam ocupando espaços e prejudicando a democracia.

“O legado dos governos do Partido Revolucionário Institucional (PRI, direita tradicional) e do Partido de Ação Nacional (PAN, extrema direita) deixou uma forte herança de práticas corruptas que ainda dificultam a consolidação de um sistema democrático mais transparente e efetivo”, avaliou.
Segundo a coordenadora do Observatório de Direitos Humanos, ainda há desafios na execução do processo, especialmente na inclusão de povos originários, afro e setores marginalizados. “Mas a presença de grupos de poder e máfias representam ameaças sérias à estabilidade e à integridade das instituições, dificultando a renovação e o fortalecimento do partido Morena e do processo democrático em geral”.
Quem vai qualificar a eleição?
Agustín Vargas López, secretário-geral da Delegação 1-287 da seção 7 de Chiapas, incorporada ao Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE), uma das maiores organizações da categoria na América Latina, concorda que o país vive uma transformação histórica, mas que as decisões relativas ao Judiciário foram tomadas sem participação popular, baseadas em ideias do governo.
Ele disse que a eleição de juízes ainda gera questionamentos. “Quem vai qualificar a eleição? Quem vai contar os votos? Porque quando isso é feito como partidos políticos, há um representante de cada candidato na mesa. Desta vez, não haverá. O INE vai coletá-los e depois trazê-los para cá. Quem vai dizer se é verdade ou não? Bem, é difícil. Há muitas dúvidas. Não é que sejamos contra a eleição, não somos, mas há muitas contradições”, pontuou.

Para ele, a existência de famílias ligadas a políticos, deputados e ao governo pode representar risco ao concentrar poder, destacando que o problema não são as pessoas, mas a possibilidade de abuso, pois o Estado terá nas mãos o Executivo, o Legislativo e, agora, o Judiciário, ou seja, poder absoluto.
“Não estamos dizendo que não é um passo que precisa ser dado. Embora a transformação seja necessária, o momento atual não é adequado por falta de maturidade cultural. O poder concentrado pode levar ao fracasso total, como já aconteceu em outros países. No Brasil, por exemplo, vocês já passaram por situações parecidas em que o presidente é muito popular e as pessoas o amam e tudo mais. Mas, como ele tem a decisão, também pode cometer erros no meio do caminho”, explicou.
